Ritmo (07/07/2013)
Os compositores e cantores que vieram a Brasília para apoiar o PLS 129 estavam muito cheios de vida. De Roberto Carlos a Emicida, de Nando Reis a Gaby Amarantos, de Rogério Flausino a Carlinhos Brown, todos pareciam dotados de uma grande energia, o que para mim era surpreendente. Suponho que é porque eu próprio tenha estado tanto tempo remoendo dúvidas e buscando uma concórdia entre os colegas que sentem a necessidade de questionar o Ecad e os que atuam nas sociedades arrrecadadoras a que ele serve de guarda-chuva. Dias antes, no Rio, Lenine me disse que minha dúvida é que o tinha motivado a agir na direção da aprovação do PLS. Ontem, na sala da presidência do Senado, ele, utilizando a melodia do refrão da irresistível canção de Roberto, liderava o coro: “Esse Ecad sou eu”.
Decidi aderir à campanha porque, engolfado pelo entusiasmo de tantos colegas, percebi que a situação amadurecera muito em muito pouco tempo: insatisfações acumuladas chegaram a um ponto que meus chamados ao diálogo se tornaram irrealistas. Cheguei a conseguir ouvir as duas partes discutindo. Mas a essa altura já estava mais dedicado a entender os motivos dos questionamentos do que a deplorar a discórdia entre amigos criadores. Temos no Brasil uma entidade que, tendo sido criada por lei, detém o monopólio da arrecadação e distribuição de direitos. Essa entidade foi criada juntamente com o Conselho Nacional de Direito Autoral, que a fiscalizava. Este foi extinto (sob Collor) e nada veio ocupar o seu lugar. Ou seja: há um monopólio sem regulação. Daí, zero transparência. O grande pleito dos autores não é receber mais, é poder saber por que recebem o que recebem — e, mais sério, por que tantos colegas seus não recebem nada. Para mim, esse tema ressurgiu quando, ao receber um manifesto intitulado “Vivo de música” — em que compositores eram convidados a assinar um texto em defesa cega do Ecad, contra a condenação, de parte do Conselho Administrativo de Defesa Econômica, por formação de cartel — senti, sem conversar com ninguém sobre o assunto, que devia esperar, pensar mais, enfim, não assinar automaticamente. Não foi uma intuição sobrenatural. Foi instantânea lembrança de várias conversas mantidas ao longo dos anos. Nesse clima, recebi um e-mail de Fernando Salem com apenas uma pergunta: “Você entende isso?” e a cópia de um artigo de Sérgio Ricardo, dizendo que a suspeita de que a condenação do Ecad pelo Cade fosse do interesse de grandes grupos de mídia não poderia impedi-lo de reafirmar as queixas que ele próprio tinha contra o órgão de arrecadação. E indicava a leitura de um texto de Ivan Lins, em que este dava conta de quanto desaprovava o Ecad em seus modos de operar. Fiquei de orelha em pé.
A ministra Marta pediu ao senador Randolfe (que eu já conhecia da campanha do Freixo e que foi estimulado pelo grupo Fora do Eixo) que contactasse Paula Lavigne. O senador foi a ela com membros do Gap (Leoni, Fernanda Abreu, Tim Rescala, Frejat e outros). Depois recebi Marta no meu camarim em Sampa. Todas as conversas que se seguiram foram muito racionais por parte deles e muito inquietantes para mim: havia colegas nos dois lados. Eu desejava que os dois grupos dialogassem antes de eu me posicionar. E foi isso que escrevi aqui na coluna. O mero fato de eu dizer que não tinha assinado o manifesto e de sugerir tal diálogo fez com que, de um lado, a turma do Gap marcasse encontros para explicar que se tratava de exigir transparência, e, de outro, a turma do Ecad me enviasse e-mails alertando contra o perigo de “estatização” e de “caos”.
Quando fui ao Senado (em cujo plenário ninguém faz silêncio, o que me causou mal-estar) e acompanhei meus amigos num encontro com a presidente Dilma, eu já estava seguro de que não havia risco de “estatização”: os artistas definirão a estrutura do órgão, e a presidente concorda que este tem de ser composto por maioria de autores.
Houve reuniões na casa de Gil e de Paula Lavigne. Chico Buarque, que tinha assinado o manifesto do Ecad, foi a três delas. Pensei que ele fosse ser meu companheiro de dúvidas e exigências intermináveis. Mas ele chegou em casa e pediu que seu nome fosse retirado do manifesto. Daí em diante só vi crescer a vontade de mudança. Djavan mostrou tanto entusiasmo que queria que fôssemos à Cinelândia e fizéssemos um show-protesto. As manifestações de rua ainda não tinham começado. Lenine acha que tem tudo a ver. Há quem tema o contrário. Penso no ritmo das coisas no tempo. Os Racionais MCs tiveram seus créditos retidos pelo Ecad. É hora de mudar.
Eu teria mesmo de vir a Brasília: tenho show marcado aqui hoje. Meu destino eu não traço.
Caetano Veloso.
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