Um dia aventuroso (08/09/2013)

Nossa carta pedia a atenção do secretário para a necessidade de um protocolo de ação da polícia durante as manifestações. Na conversa com ele, reiteramos a necessidade do esclarecimento do que ocorreu com Amarildo; quisemos entender por que a polícia, que atirara gás e balas de borracha na multidão que se aproximava da casa de Cabral na Praia do Leblon, sumiu quando poucas dezenas depredavam bancos e lojas na Ataulfo de Paiva; sugerimos o abandono do uso de balas de borracha; exigimos que pessoas imobilizadas não mais fossem vistas apanhando. O secretário é mais inteligente se tem tempo para desenvolver suas ideias do que parece ser nos poucos segundos em que o vemos na TV. E ele parece sincero. Mais do que tudo, expõe as enormes dificuldades que enfrentará quem tente fazer a polícia passar para um patamar diferente daquele em que está há séculos. As UPPs, grande trunfo do governo estadual, são obra sua. Todos os que foram falar-lhe reconhecem quão importante é o que elas esboçam. Dói em todos que elas estejam com o prestígio ameaçado. Uma profunda necessidade de Waismann nos havia levado ali. Ele precisa que as manifestações sejam pacíficas: descobriu que a violência não é arma eficaz. O 7 de Setembro vinha sendo anunciado como um dia de grandes demonstrações. Muito poderá ter se definido nesse dia.

Estou escrevendo ao chegar em casa, de volta, não da secretaria, mas do apê da turma da Mídia Ninja. É que Sidney queria falar com alguém que estivesse mais perto dos manifestantes. Saímos da Central, ele, Olga Bronstein, Yvonne Maggie e eu, de metrô, rumo à Zona Sul. Paramos no Largo do Machado, elas seguiram de táxi, e nós dois fomos comer sashimi. Sidney estava certo de que havia uma reunião da Mídia Ninja na UFRJ e me arrastou com ele. Chegamos ao enorme prédio da universidade e ninguém sabia nos dizer onde se dava a tal reunião. Numa portaria indicada, o porteiro fez umas ligações para descobrir. Daí apareceu uma moça, bonita e elegante em sua simplicidade, e nos disse que Carioca estava num apartamento ali em frente. Sidney ainda perguntou se a reunião era lá. Não era “a” reunião, mas eles estavam lá e queriam falar conosco. Andamos com ela. Carioca nos encontrou na faixa de travessia de pedestre. Muito doce, ele foi conversando até entrarmos no apê. Tudo muito limpo e alegre. Contava que um membro do Black Bloc tinha ido à reunião da véspera e que os aconselhara a não sair no dia 7. Eles, blocs, iam, mas os outros não deviam ir. Perguntei se isso seria uma ameaça. Não parecia, ele disse. Contava mais para mostrar como os discursos dos manifestantes têm sido variados. Repetia sempre a palavra querida dos Fora do Eixo: “narrativa”. Mas a conversa dele era boa. Ele explicava o sentido de certos atos violentos, mas entendia os argumentos de Sidney. Um outro rapaz e uma outra moça estavam na sala quando chegamos. Já no meio do papo chegou uma terceira. Só a menina que nos levou até eles não é moradora. Nem mesmo ninja. Ela é da Maré e vive em Parada de Lucas. Diz que prefere ação a palavras. Mas fala muito bem. Desiludiu-se com as UPPs, nas quais tinha posto fé no início. Mas conta que o pai, morador da Maré, é defensor da inovação de Beltrame. Essa conversa foi muito reveladora da alma do Rio neste momento. Antes disso, os ninjas me pediram para gravar uma fala sobre a proibição do uso de máscaras. Eu sou apenas um velho baiano mas moro aqui há muitos anos e acho que proibir máscaras numa cidade como o Rio é violência simbólica. E sugeri que no dia 7 todos saíssem com máscaras, respondendo com beleza e sem violência. Daí eles me pediram para posar com uma camiseta preta atada ao rosto para eles mostrarem a Emma, que, segundo eles, gostou do meu texto sobre ela. Agora vejo aqui que eles puseram a foto na rede e logo alguém tuitou que sou oportunista e incito a violência. Não. Entendo que Black Bloc faz parte. Mas nem anticapitalista convicto eu sou. E quero paz.

Caetano Veloso.

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