2020 - Caetano Veloso & Ivan Sacerdote


Caetano Veloso & Ivan Sacerdote foi lançado em janeiro de 2020 nas plataformas digitais com nove releituras da obra de Caetano sob as belas e precisas intervenções do clarinete de Ivan Sacerdote. Gravado em Salvador e em Nova York, o disco tem as participações especiais de Cezar Mendes, Moreno Veloso e Mosquito. A ideia surgiu dos encontros musicais na casa de Caetano na Bahia, promovidos por Paula Lavigne, principal incentivadora do projeto. Dentre as canções escolhidas, três são do disco Livro (1997): Manhatã, Onde o Rio é Mais Baiano e Minha Voz, Minha Vida. Você Não Gosta de Mim, lançada por Gal Costa em 1998 e que chegou a ser ensaiada para o show Ofertório, ganhou a versão na voz do compositor. Caetano e Ivan estrearam o show "Caetano Veloso apresenta Ivan Sacerdote" com participação de de Felipe Guedes no Teatro Castro Alves na Bahia, em fevereiro de 2020. A turnê foi interrompida devido à situação pandêmica enfrentada pelo mundo.

Caetano"Ouvi da varanda seu clarinete em “Futuros amantes” (de Chico Buarque), com Cezar Mendes ao violão, e fiquei fascinado. Depois, no verão passado, fui a um show de casa noturna aqui do Rio Vermelho em que ele tocava com Felipe Guedes na guitarra. Felipe é um gênio, e o que eles faziam juntos era de grande riqueza. Desde o começo de 2019 que, atendendo pedido de Paulinha (Paula Lavigne, sua empresária), Ivan e eu gravamos algumas canções no estúdio de Carlinhos Brown. Tudo numa sessão só. E sem playbacks. (O disco) é voz-e-violão com um clarinete que improvisa em clima meio jazzístico e muito baiano. Conversando com Ivan, fiquei sabendo que ele tocou com Rosa Passos. É isso aí. No nosso caso, houve mais festas do que ensaios. E é sempre prazeroso tocar com alguém que faz sua música ficar mais bonita. Tudo foi fluindo de modo amadorístico. Quando Paulinha falou em gravar, Ivan pediu “Peter Gast”, e chamaram Cezinha (Cezar Mendes) para tocar nossa parceria, “Aquele frevo axé”. Quando estávamos em Nova York, Tom (filho de Caetano) pediu que gravássemos “Você não gosta de mim”. E por aí foi. Não ensaiamos quase nada. Ou muito pouco. Mas concordei com Paulinha que o resultado era bom e que valia a pena divulgar o talento de Ivan." (Caetano Veloso para o Jornal O Globo, 2020).

"Foi Paulinha quem me pediu para gravar umas canções com Ivan no estúdio de Carlinhos Brown. Gravamos tudo numa sessão só. Ele vinha aqui em casa, assim como outros músicos jovens e talentosos de Salvador, para fazer o que ela chama de “cantorias”. Às vezes eu cantava umas coisas, Ivan improvisava no clarinete. O que a gente fez no estúdio era quase uma coisa caseira, mas as pessoas acharam bonito. Paulinha considerou que o nível era profissional. Daí propôs que gravássemos vídeos na Vevo em Nova York. Deu certo. Tanto Ivan quanto eu ficamos muito contentes com o resultado. Não havia plano de disco. Tocávamos em casa coisas já conhecidas. Eu me lembro de ter ficado impressionado com Ivan tocando Futuros amantes, de Chico Buarque. Quando Paulinha falou em gravar, pensei até em pedir que ele gravasse essa música, só tocando, com alguém ao violão (de preferência Felipe Guedes, outro jovem musicalmente genial da Bahia). Mas Paulinha queria que gravássemos só músicas minhas, para termos uma pequena antologia. Houve mais “cantorias” do que ensaios. Cezar Mendes, meu parceiro em Aquele frevo axé, é o único outro músico a tocar nessa série de gravações. Ele está sempre nas noitadas de música aqui em casa. Me lembro de ter dado umas acertadas de forma com Ivan, mas não ensaiamos muito. O repertório foi o que ele já gostava de tocar comigo. Mas claro que, sabendo que iríamos gravar, pensamos em mais umas outras coisas. Ivan pediu Peter Gast. Quando fomos para Nova York, Tom pediu que gravássemos Você não gosta de mim. Foi tudo fluido. Estava de férias em Salvador e esses encontros musicais surgiram como jogo prazeroso. Mesmo em Nova York, estávamos de férias. Paulinha é que chamou Ivan e Mosquito para lá e combinou de gravarmos. Não deu trabalho. Fizemos cada música uma vez. Os caras da Vevo ficaram impressionados com Trilhos Urbanos, com a rapidez com que saiu aquilo, que a eles parecia muito complexo, tão rapidamente. Eles achavam o ritmo difícil de decifrar e Ivan improvisava com muita facilidade em cima do meu violão que parece tocar a batida ao contrário. (Caetano Veloso para O Estado de S. Paulo, 2020). 

Ivan: "Tive o privilégio de dialogar com diversos artistas da cena soteropolitana e nacional, enriquecendo ainda mais minha pesquisa sobre o clarinete popular no Brasil. O trabalho com Caetano surge para consolidar essa pesquisa de todos esses anos. Ao emprestar suas composições, voz e violão para um disco nesses moldes, Caetano generosamente contribui para a valorização e a difusão da música instrumental feita no Brasil. Um artista dessa magnitude se voltar para a improvisação de um clarinetista é sinal de que a música brasileira não tem fronteiras." (Ivan Sacerdote para O Estado de S. Paulo, 2020). 

"(Rosa Passos) foi a primeira artista que me chamou pra esse diálogo entre voz, violão e clarinete. Começou ali a construção de uma narrativa improvisada dentro da canção brasileira. O trabalho com Caetano surge para consolidar essa pesquisa. As pessoas vão poder conhecer esse Ivan, um clarinetista que passou por vários lugares, acumulando informações." (Ivan Sacerdote para o Jornal O Globo, 2020).

Caetano e Ivan ensaiando. Foto: Uns Produções.

Release

Caetano Veloso

O clarinete (ou a clarineta) de Ivan Sacerdote banha todos os encontros musicais espontâneos que a gente vive em Salvador com doçura e sabedoria. Sua suavidade sonora e sua precisão musical surpreendem e apaixonam ouvintes desavisados. Trazido para perto pelo exuberante Magari Lord (um talento baiano que é fenômeno de animação de plateias e festas, aproximando o carnaval de Salvador do semba angolano), Ivan revela-se a cada toque, a cada contraponto, a cada intervenção, um Sacerdote da elegância na música. Esse sobrenome de sua família é assunto que o fascina e intriga tanto quanto a todos nós. Ouvi-o tocar Chico Buarque e pensei que ele devia gravar logo.

Quando lhe propuseram registrar um buquê de melodias, ele escolheu umas duas minhas. Terminamos fazendo um EP que poderia se chamar Mini-cancioneiro de Caetano por Ivan Sacerdote. Gravamos tudo numa tarde e sem playback, exceto minha parceria com Cezar Mendes, a linda “Aquele frevo axé”, em que o autor da melodia toca violão, Moreno Veloso toca lixa e eu não toco nada.

Fico orgulhoso de ser, como autor, violonista e cantor, o veículo para o lançamento desse jovem talento soteropolitano. Cinco canções captadas no ritmo da vida estival da Baía de Todos os Santos. Pós-jazz, pós-bossa, pós-axé, Ivan Sacerdote é boa nova da nossa música. Agora juntam-se às gravações que fizemos na Bahia, as que se deram em Nova York, no estúdio da Vevo, onde nossa relação musical pareceu milagrosa. O carioca Mosquito uniu-se brevemente a nós dois para a afirmação de “Onde o Rio é mais baiano” e “Desde que o samba é samba”.

Ivan Sacerdote

Esse projeto nasce despretensiosamente na espontaneidade e ganha o mundo por um fundamento; a música brasileira. Conheci Caetano há dois anos – no verão de Salvador – numa das festas em sua casa, onde fui levado por Seu Jorge e Magary Lord. Desde lá, nossos encontros, e diálogos intensos resultou em um álbum lindo que consegue explicar um pouco mais a música instrumental brasileira e o caminho de cumplicidade com a poesia dentro das estruturas harmônicas e melódicas de cada canção.

Eu fico muito feliz em participar, ao lado de Caetano – que é um referencial – desse projeto que tem a cara da Bahia e dos sons que sempre fiz por aqui em Salvador com o repertório variado. Nós conseguimos gravar um disco, sem partituras, e conectados musicalmente.

Me sinto muito honrado em fazer Caetano Feliz, estamos aqui pra fazer Caetano Feliz.

O show Caetano Veloso Apresenta Ivan Sacerdote com participação de Felipe Guedes.
Salvador, fevereiro de 2020. Foto: Uns Produções.

"Ele trouxe música à minha música", diz Caetano Veloso sobre Ivan Sacerdote
(Entrevista com Caetano Veloso e Ivan Sacerdote para o Correio Braziliense, 26/01/2020).

Entrevista com Caetano Veloso

No seu entendimento, o que Ivan Sacerdote acrescentou à sua música?

CV: Ivan trouxe música à minha música. Como é figura nova da cena instrumental brasileira, ele aproximou minhas canções a esse mundo. Acho sempre mais bonito quando ele está tocando do que quando eu canto. Na verdade, não sou bom de cantar em estúdio.

Parte das gravações foi feita no estúdio Ilha dos Sapos, de Carlinhos Brown, em Salvador; e outra, no estúdio Vevo, em Nova York. Por que quis assim?

CV: Não quis. Aconteceu. Paulinha (Paula Lavigne) sugeriu que gravássemos alguma coisa no Ilha dos Sapos e, como ficou bem impressionada com o resultado, fez algum acerto com a Vevo.

A escolha do repertório obedeceu a algum critério?

CV: Primeiro, ouvi Ivan tocando Futuros amantes, de Chico, com Seu Jorge, na varanda aqui de casa, em Salvador, e fiquei maravilhado. Paulinha, entusiasmada com os talentos que via aparecer na Bahia, quis gravar Ivan. Ele próprio sugeriu canções minhas: Peter Gast, Trilhos Urbanos e O ciúme. Paulinha achou que, ali, se esboçava um EP de Ivan só com músicas minhas. Eu ainda insisti em Futuros amantes, mas como o resto era todo meu, decidiu-se que gravaríamos só canções minhas. Eu quis gravar Manhantã (que, infelizmente, cantei meio mal) e Tom, meu filho, pediu que incluíssemos Você não gosta de mim. Esse tipo de escolha não configura um critério. Mas o valor musical que Ivan via em canções minhas foi o norte.

Em que fase está a produção das canções para um novo disco de inéditas?

CV: Essas coisas a gente nunca sabe ao certo. Quero gravar a música que fiz pra Céu, Pardo. E comecei a compor umas outras, das quais só uma parece pronta. Mesmo essa não tem forma definitiva. O gozado é que há umas três ou quatro outras, mais para inacabadas.

Que visão tem das escolhas do governo ao indicar pessoas sem a devida qualificação para a área da cultura?

CV: Meu candidato para a eleição de 2018 foi Ciro Gomes. Como ele não foi para o segundo turno, votei em Fernando Haddad. Então, o grupo que ganhou as eleições não é aquele com quem tenho identificação. Todas as escolhas para a área de cultura e educação me pareceram sinistras. Também não entendo o que escreve o chanceler. Nem acredito no catecismo liberal da equipe econômica.

Entrevista com Ivan Sacerdote

Você tem formação acadêmica, tocou em orquestra sinfônica e se apaixonou pelo jazz ouvindo João Gilberto. Como foi chegar foi à MPB pelas mãos da baiana-brasiliense Rosa Passos?

IS: Rosa Passos foi a artista responsável por legitimar meu trabalho como clarinetista para o mundo da música. Eu tinha 25 anos e havia acabado de retornar de uma temporada de dois anos fora do Brasil. Vinha de uma fase de muitos estudos e poucos objetivos profissionais. Rosa Passos apareceu na minha vida quando eu justamente precisava começar a encarar minha carreira com a mesma seriedade e foco que levava os estudos. Rosa viu uma canja minha no show de um cantor de Salvador (Alexandre Leão). Na mesma hora, me convidou para fazer parte de seu grupo e tocar no Teatro Castro Alves no outro dia. Aguentei a pressão e encarei os músicos da banda, grandes instrumentistas brasileiros, Lula Galvão, Jorge Helder, Fábio Torres, Paulo Paulelli e Celso de Almeida.

Sentiu-se inseguro?

IS: Não me considerava preparado, mas Rosa é meio visionária, enxerga o potencial de músicos e os coloca à prova.Tive a sorte de constituir uma relação muito carinhosa com ela, que sempre teve a paciência de ensinar a tratar a música brasileira com ousadia e zelo. Também me ensinou muito sobre repertório de Ary Barroso, Dorival Caymmi, Tito Madi, Jhonny Alf, João Donato, Noel Rosa e Cartola. Rosa faz qualquer música se tornar preciosa, é quase um milagre. Talvez esse mérito de ser comparada a João Gilberto seja por causa da excelência da voz e violão, pelo repertório e por ser baiana, é claro. Tais qualidades em comum me fazem enxergar a Bahia como um lugar capaz de produzir música de nível internacional, dotada de excelência e conectada fortemente com nossas raízes.

Como reagiu ao receber o convite para realizar este projeto com Caetano?

IS: Foi uma surpresa muito boa receber o convite de Paula Lavigne. Ela foi a idealizadora desse projeto. Enxergou potencial em um duo que nunca teve pretensões de gravar ou encarar os palcos. Era uma atmosfera de diversão, naqueles hiatos de verão onde os músicos descansam tocando em momentos informais. Férias de músico são assim, não somos diferentes. A partir do convite, passei a encarar esse projeto com grande honra e responsabilidade. Representar a música instrumental brasileira em um diálogo direto com uma grande figura da MPB é uma tarefa que requer muito foco e concentração.

Que avaliação faz do seu desempenho tocando — gravando — com um ícone da música popular brasileira?

IS: No disco, eu procuro aplicar um pouco de cada vivência que tive nos últimos anos, sempre com o filtro de servir à música de Caetano. O fio condutor é esse. É importante ressaltar que, nesse trabalho, não executo somente a improvisação jazzística. Essa abordagem está mais presente em Peter Gast e Manhatã. Nessas duas faixas, eu busco mais a linguagem de Miles Davis, naquela fase dos épicos improvisos em baladas. Nesses solos que fiz também, tem algo de Charlie Parker, aquele com a doçura e sobriedade do disco Charlie Parker With Strings, de 1950. Também existe muito da improvisação que encontramos no choro, em que uma melodia pode sofrer constantes variações.

Como assim?

IS: O exemplo disso está nas músicas Você não gosta de mim e Minha voz, minha vida em que procuro expor minhas afinidades com esse tipo de improvisação e criar uma ponte para explicar musicalmente o que seriam essas duas abordagens. Já na música O ciúme procurei incorporar um personagem do sertão, mas não aquele das festas, do xote, galope, e forró. Pensei em um trovador, um daqueles poetas populares de feiras, que improvisa no verso e fala de amor. São camas harmônicas escolhendo os melhores intervalos para somar com a interpretação profunda de Caetano. Acho que essa música foi a mais desafiadora para mim, esteticamente falando. Na música Aquele Frevo Axé, com Cézar Mendes ao violão, é o mais próximo que eu consegui chegar no meu toque para massagear minha devoção a João Gilberto.

Pretende, após a turnê do Caetano Veloso & Ivan Sacerdote, realizar trabalhos solo?

IS: Minha produção musical precisa existir para que as coisas se mantenham em ordem na cabeça. Gosto de ter ideias e ir para o estúdio experimentar. Tenho músicos parceiros de Salvador e sempre estamos em contato para esses encontros. Amo compor, arranjar e improvisar. Acho que isso alimenta o trabalho com Caetano. Também atuo como educador e produtor. São tantas coisas que um instrumentista precisa fazer para sobreviver hoje em dia. Precisamos fazer de tudo um pouco. Tentarei, na medida do possível, conciliar tudo isso e o trabalho com Caetano, mas, logicamente, agora é foco total nos shows e em colher os frutos dessas gravações.

Lista de Músicas

1 - Peter Gast
(Caetano Veloso)

2 - Aquele Frevo Axé
(Caetano Veloso, Cézar Mendes)
Violão: Cezar Mendes; Lixa: Moreno Veloso.

3 - Trilhos Urbanos
(Caetano Veloso)

4 - O Ciúme
(Caetano Veloso)

5 - Você Não Gosta de Mim
(Caetano Veloso)

6 - Minha Voz, Minha Vida
(Caetano Veloso)

7 - Onde o Rio é Mais Baiano
(Caetano Veloso)
Participação de Mosquito.

8 - Desde Que o Samba É Samba
(Caetano Veloso)
Participação de Mosquito.

9 - Manhatã
(Caetano Veloso)

Vamos às Letras.

1 - Peter Gast (Caetano Veloso)

Sou um homem comum
Qualquer um

Enganando entre a dor e o prazer
Hei de viver e morrer
Como um homem comum
Mas o meu coração de poeta
Projeta-me em tal solidão
Que às vezes assisto
A guerras e festas imensas
Sei voar e tenho as fibras tensas
E sou um

Ninguém é comum
E eu sou ninguém

No meio de tanta gente
De repente vem
Mesmo eu no meu automóvel
No trânsito, vem
O profundo silêncio
Da música límpida de Peter Gast
Escuto a música silenciosa de Peter Gast
Peter Gast
O hóspede do profeta sem morada

O menino bonito, Peter Gast
Rosa do crepúsculo de Veneza
Mesmo aqui no samba-canção do meu rock'n'roll
Escuto a música silenciosa de Peter Gast
Sou um homem comum

No meio de tanta gente
De repente vem
Mesmo eu no meu automóvel
No trânsito, vem
O profundo silêncio
Da música límpida de Peter Gast
Escuto a música silenciosa de Peter Gast
Peter Gast
O hóspede do profeta sem morada

O menino bonito, Peter Gast
Rosa do crepúsculo de Veneza
Mesmo aqui no samba-canção do meu rock'n'roll
Escuto a música silenciosa de Peter Gast
Sou um homem comum

Lucas Nunes, Ivan e Caetano. Foto: Uns Produções.

2 - Aquele Frevo Axé (Caetano Veloso, Cézar Mendes)

Que fazer?
Meu pensamento está preso àquele carnaval
Volto a pisar este chão
Enceno um drama banal
Tento refazer a trama
Mas o desfecho é igual
E você?
Será que canta calada aquele frevo axé?
Que não me deixa dormir
Ou terá perdido a fé
No que ficou prometido
Sem nos falarmos sequer
Meu amor
Ando na praça vazia e espero o sol se pôr
Vejo o clarão se extinguir
Por trás da mão do poeta
Nosso amor não vai sumir
Veja onde a gente se achou
Estrelas já vão luzir
Na noite da Bahia preta
Queria tanto você aqui

Foto: Uns Produções.

3 - Trilhos Urbanos (Caetano Veloso)

O melhor o tempo esconde
Longe muito longe
Mas bem dentro aqui
Quando o bonde dava a volta ali
No cais de Araújo Pinho
Tamarindeirinho
Nunca me esqueci
Onde o imperador fez xixi
Cana doce Santo Amaro
Gosto muito raro
Trago em mim por ti
E uma estrela sempre a luzir
Bonde da Trilhos Urbanos
Vão passando os anos
E eu não te perdi
Meu trabalho é te traduzir
Rua da Matriz ao Conde
No trole ou no bonde
Tudo é bom de ver
São Popó do Maculelê
Mas aquela curva aberta
Aquela coisa certa
Não dá pra entender
O Apolo e o Rio Subaé
Pena de pavão de Krishna
Maravilha vixe Maria mãe de Deus
Será que esses olhos são meus?
Cinema transcendental
Trilhos Urbanos, Gal
Cantando o Balancê
Como eu sei lembrar de você

Foto: Uns Produções.

4 - O Ciúme (Caetano Veloso)

Dorme o Sol à flor do Chico, meio-dia
Tudo esbarra embriagado de seu lume
Dorme Ponte, Pernambuco, Rio, Bahia
Só vigia um ponto negro: o meu ciúme

O ciúme lançou sua flecha preta
E se viu ferido justo na garganta
Quem nem alegre nem triste nem poeta
Entre Petrolina e Juazeiro canta

Velho Chico vens de Minas
De onde o oculto do mistério
Se escondeu
Sei que o levas todo em ti
Não me ensinas
E eu sou só eu só eu só eu

Juazeiro, nem te lembras dessa tarde
Petrolina, nem chegaste a perceber
Mas, na voz que canta tudo ainda arde
Tudo é perda, tudo quer buscar, cadê

Tanta gente canta, tanta gente cala
Tantas almas esticadas no curtume
Sobre toda estrada, sobre toda sala
Paira, monstruosa, a sombra do ciúme

Foto: Uns Produções.

5 - Você Não Gosta de Mim (Caetano Veloso)

Você não gosta de mim
Não sinto o ar se aquecer
Ao redor de você
Quando eu volto da estrada

Por que será que é assim?
Dou ao seus lábios a mão
E eles nem dizem não
Eles não dizem nada

Como é que vamos viver
Gerando luz sem calor?
Que imagem do amor
Podemos nos oferecer?

Você não gosta de mim
Que novidade infeliz
O seu corpo me diz
Pelos gestos da alma!

A gente vê que é assim
Seja de longe ou de perto
No errado e no certo
Na fúria e na calma

Você me impede de amar
E eu que só gosto do amor
Por que é que não nos
Dizemos que tudo acabou?

Talvez assim descubramos
O que é que nos une
Medo, destino, capricho
Ou um mistério maior

Eu jamais cri que o ciúme nos
Tornasse imune ao desamor
Então, por favor
Evite esse costume ruim

Você não gosta de mim
É só ciúme vazio
Essa chama de frio
Esse rio sem água

Por que será que é assim?
Somente encontra motivo
Pra manter-se vivo
Este amor pela mágoa
Então digamos adeus
E nos deixemos viver
Já não faz nenhum sentido
Eu gostar de você

Foto: Uns Produções.

6 - Minha Voz, Minha Vida (Caetano Veloso)

Minha voz, minha vida
Meu segredo e minha revelação
Minha luz escondida
Minha bússola e minha desorientação
Se o amor escraviza
Mas é a única libertação
Minha voz é precisa
Vida que não é menos minha que da canção

Por ser feliz, por sofrer, por esperar eu canto
Pra ser feliz, pra sofrer, para esperar eu canto

Meu amor, acredite
Que se pode crescer assim pra nós
Uma flor sem limite
É somente porque eu trago a vida aqui na voz.

Mosquito, Caetano, Ivan e Lucas. Foto: Uns Produções.

7 - Onde o Rio é Mais Baiano (Caetano Veloso)

A Bahia,
Estação primeira do Brasil
Ao ver a Mangueira nela inteira se viu,
Exibiu-se sua face verdadeira,
Que alegria
Não ter sido em vão que ela expediu
As Ciatas pra trazerem o samba pra o Rio
(Pois o mito surgiu dessa maneira).

E agora estamos aqui
Do outro lado do espelho
Com o coração na mão
Pensando em Jamelão no Rio Vermelho
Todo ano, todo ano
Na festa de Iemanjá
Presente no dois de fevereiro
Nós aqui e ele lá
Isso é a confirmação de que a Mangueira
É onde o Rio é mais baiano.

Foto: Uns Produções.

8 - Desde Que o Samba É Samba (Caetano Veloso)

A tristeza é senhora
Desde que o samba é samba é assim
A lágrima clara sobre a pele escura
A noite, a chuva que cai lá fora
Solidão apavora
Tudo demorando em ser tão ruim
Mas alguma coisa acontece
No quando agora em mim
Cantando eu mando a tristeza embora

O samba ainda vai nascer
O samba ainda não chegou
O samba não vai morrer
Veja, o dia ainda não raiou
O samba é o pai do prazer
O samba é o filho da dor
O grande poder transformador

Foto: Uns Produções.

9 - Manhatã (Caetano Veloso)

Uma canoa canoa
Varando a manhã de norte a sul
Deusa da lenda na proa
Levanta uma tocha na mão
Todos os homens do mundo
Voltaram seus olhos naquela direção
Sente-se o gosto do vento
Cantando nos vidros o nome doce da cunhã:

Manhattan, Manhattan
Manhattan, Manhattan
Manhattan, Manhattan, Manhattan

Um remoinho de dinheiro
Varre o mundo inteiro, um leve leviatã
E aqui dançam guerras no meio
Da paz das moradas de amor

Ah! Pra onde vai, quando for,
Essa imensa alegria, toda essa exaltação
Ah! Solidão, multidão,
Que menina bonita mordendo a polpa da maçã:

Manhattan, Manhattan
Manhattan, Manhattan
Manhattan, Manhattan, Manhattan










Fotos: Uns Produções.

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