A Voz do Morto (Caetano Veloso)

Estamos aqui no tablado
Feito de ouro e prata
De filó de nylon

Eles querem salvar as glórias nacionais
As glórias nacionais, coitados

Ninguém me salva
Ninguém me engana
Eu sou alegre
Eu sou contente
Eu sou cigana
Eu sou terrível
Eu sou o samba

A voz do morto
Os pés do torto
O cais do porto
A vez do louco
A paz do mundo
Na Glória!

Eu canto com o mundo que roda
Eu e o Paulinho da Viola
Viva o Paulinho da Viola!
Eu canto com o mundo que roda
Mesmo do lado de fora
Mesmo que eu não cante agora

Ninguém me atende
Ninguém me chama
Mas ninguém me prende
Ninguém me engana

Eu sou valente
Eu sou o samba
A voz do morto
Atrás do muro
A vez de tudo
A paz do mundo
Na Glória!

© 1968 Musiclave Editora Musical Ltda. - Compacto Duplo - Caetano Veloso. 

Comentário do autor: "Assim como Baby me foi sugerida por Bethânia, A Voz do Morto me foi ditada pela Aracy de Almeida. Ela estava em São Paulo para fazer a Bienal do Samba, que era um festival só de sambas, e estava muito irritada com a ideologia em torno daquilo. Ela veio falar comigo: "Pô, me tratar como glória nacional pensando que vão me salvar? Puta que pariu, salvar o caralho! Quero que você faça um samba, porque você é o verdadeiro Noel, porque você é violento, você é novo!". Era assim que ela falava pra mim: "Eu já estou por aqui, de saco cheio" - e ela pegava como se tivesse saco mesmo -; "Eu estou de saco cheio desse negócio de Noel Rosa, ter que arrastar esse morto pelo resto da vida. Quando eu canto é a voz desse morto! E ninguém me engana com essa porra não, de festival do samba. Faça uma música da pesada para eu gravar, esculhambando com essa porra toda!". Ela me ditou o samba! Fiz essa música, ela adorou e gravou." (Caetano Veloso. Livro: Sobre as Letras. Companhia das Letras, 2003).

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