Araçá Blue (Caetano Veloso)
Araçá Azul é sonho-segredo
Não é segredo
Araçá Azul fica sendo
O nome mais belo do medo
Com fé em Deus
Eu não vou morrer tão cedo
Araçá Azul é brinquedo
Não é segredo
Araçá Azul fica sendo
O nome mais belo do medo
Com fé em Deus
Eu não vou morrer tão cedo
Araçá Azul é brinquedo
© 1973 Ed. Gapa/Warner Chappel - Álbum Araçá Azul - Caetano Veloso.
Comentário do autor: "Essa música nasceu da lembrança de um sonho que tive por volta dos 23 ou 24 anos, quando morava no Solar da Fossa. Nunca contei isso para o público, essa é a primeira vez. Quando menino, e até depois, eu adorava subir no araçazeiro (a gente na Bahia chama goiaba de araçá) para tirar a fruta de vez, que é antes de ela ficar madura e ainda meio verde, dura ainda, parecendo que vai explodir. É a fruta de que mais gosto. No entanto, depois de tirada, três minutos depois, para mim já não presta mais; e quando está madura, não gosto nem no pé, e mais, nesse caso, é a fruta que mais detesto. Eu adorava ficar a tarde inteira entre os galhos, cantando e procurando os araçás que já estavam no ponto. Se via um e sabia que estava ainda muito verde, esperava pelo dia seguinte, pois sabia que ele ficaria melhor, e esperava. Então, um dia sonhei que estava assim, no topo de um araçazeiro alto, lá em casa mesmo, procurando os araçás perfeitos, quando, de repente, vi, entre todos os outros, um araçá azul, lindo. Aquilo era como um milagre, mas era real ali. E eu já ia colher esse araçá único, deslumbrante, quando vi que Bethânia - que até então não estava - vinha subindo pelos galhos para perto de mim. Então olhei para ela e disse: "Bethânia, tem um araçá aqui que é azul, ele nasceu azul!". Ela disse assim: "Ah...", sem nem olhar, desmerecendo, e acrescentou: "Isso deve ser a coisa dos japoneses que estão fazendo experiências". De fato, havia japoneses no recôncavo da Bahia quando a gente era menino; eles trabalhavam na lavoura, e eu ouvia dizer que faziam experiências, produziam tomates enormes, coisas assim, e, tanto tempo depois, Bethânia me disse aquilo no sonho. Eu respondi: "Não! Venha ver, isso é lindo, você tem que vir olhar!". E ela: "Ah...", desmerecendo outra vez. "Venha! Suba pra olhar", insisti, até que ela subiu um pouco mais. Eu disse: "Vou tirar pra mim". Mas, aí, Bethânia ficou séria e sentenciou: "Se você tirar, eu me mato". Eu repliquei: "Que loucura, que ideia louca!". E fui tirar o araçá, achando que ela estava falando por brincadeira. Mas quando pus a mão no araçá, ela se jogou! Fiquei desesperado, olhando. Só que ela se jogou e caiu segurando as pernas num galho abaixo. Tinha feito uma pirueta! E ficou lá, se balançando, rindo da minha cara, contente por ter me enganado. Então eu disse: "Ah!", e arranquei o araçá azul. Mas, quando fiz isso, ela se jogou mesmo. Eu acordei desesperado! Fiquei assustado, mas, ao mesmo tempo, lembrava de como era lindo o araçá e contei ao Rogério, que também morava no Solar da Fossa. Eu nunca tinha feito psicanálise, mas Rogério sim, e ele fez uma interpretação do sonho: "Puxa, você não está vendo que está com medo de colher o que é seu? A Bethânia se tornou uma estrela e você, que veio ficar com ela e é um compositor, fica aqui, assim... É como se você estivesse não propriamente com inveja dela, mas soubesse que também pode colher uma coisa boa, deslumbrante, e não o faz porque tem medo, como se, com isso, fosse matá-la. Entendeu?". Foi essa a interpretação dele. E foi até bastante interessante como primeira interpretação de um não-profissional. O Rogério é um gênio. Foi logo assim, de bate-pronto, no dia em que eu sonhei. Anos mais tarde, depois que voltei de Londres, já tinha passado o Tropicalismo, fiz a música." (Caetano Veloso. Sobre as Letras. Companhia das Letras, 2003).