Beleza Pura (Caetano Veloso)

Não me amarra dinheiro não
Mas formosura
Dinheiro não
A pele escura
Dinheiro não
A carne dura
Dinheiro não
Moça preta do Curuzu
Beleza pura
Federação
Beleza pura
Boca do Rio
Beleza Pura
Dinheiro não
Quando essa preta começa a tratar do cabelo
É de se olhar
Toda a trama da trança a transa do cabelo
Conchas do mar
Ela manda buscar pra botar no cabelo
Toda minúcia
Toda delícia
Não me amarra dinheiro não
Mas elegância
Não me amarra dinheiro não
Mas a cultura
Dinheiro não
A pele escura
Dinheiro não
A carne dura
Dinheiro não
Moço lindo do Badauê
Beleza pura
Do Ilê Aiyê
Beleza pura
Dinheiro yeah
Beleza pura
Dinheiro não
Dentro daquele turbante do filho de Gandhi
É o que há
Tudo é chique demais, tudo é muito elegante
Manda botar
Fina palha da costa e que tudo se trance
Todos os búzios
Todos os ócios
Não me amarra dinheiro não, mas os mistérios

© 1979 Ed. Gapa / Saturno - Álbum Cinema Transcendental - Caetano Veloso.

Comentário do autor: "Tem uma referência direta à canção do Elomar, que eu adoro, que fala "viola, alforria, amor, dinheiro não". Beleza Pura é uma saudação ao início da 'tomada' da cidade de Salvador pelos pretos. Ela sempre foi uma cidade com muitos pretos mas, até os anos 70, eles ficavam mais ou menos 'nos seus lugares': puxadores de rede, de xaréu, tocadores de candomblé, pescadores, vendedores de acarajé, todos muito nobres, bonitos, mas cada um no seu lugar tradicional. E, nos anos 70, em grande parte por influência do movimento negro norte-americano e sul-africano, mas também por desenvolvimento do mundo e do Brasil, os pretos tomaram conta da cidade da Bahia de outra maneira, e Beleza Pura é uma saudação ao início desse acontecimento. Eu sempre estive ligado às origens dessas coisas, por isso jamais poderia sentir a antipatia que os pretensiosos do centro tinham com relação à axé music. Sem falar em Atrás do Trio Elétrico, de anos antes." (Caetano Veloso. Livro: Sobre as Letras. Companhia das Letras, 2003).

“O verso "Não me amarra dinheiro, não", que abre "Beleza Pura", se inspirou numa canção que amei desde a primeira vez que ouvi. Roberto Santana me apresentou a um amigo seu que cantava uma cantiga deslumbrante: "Apois pro cantador e violeiro/ Só há três coisas nesse mundo vão:/ Amor, viola, alforria e nunca dinheiro/ Viola, alforria, amor. Dinheiro, não." Sempre quis crer que foi do próprio Elomar, genial autor da canção, que a ouvi pela primeira vez. Mas Santana, que já gosta de pôr em dúvida minha memória, mesmo em coisas de que tenho certeza, aqui teria muita chance de me desmentir com razão. A frase de "Beleza Pura" abre o show que faço com Maria Gadú. Fico feliz e orgulhoso. Meu sonho seria cantar, num próximo show, "Violeiro" (é este o título da canção de Elomar) com a bandaCê, mas não me conformo de não atingir o grave da palavra "cantador", que na voz do autor soa simplesmente divina. Acho que não vale a pena mudar de tom: tem que ser aquele som da voz de Elomar no grave. O que importa é que cada repetição do refrão de "Beleza Pura" possa trazer ao pensamento do ouvinte o conteúdo de Elomar.” (Caetano Veloso para o Jornal O Globo, 2011).


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