Deus e o Diabo (Caetano Veloso)
Você tenha ou não tenha medo
Nego, nega, o carnaval chegou
Mais cedo ou mais tarde acabo
De cabo a rabo com essa transação de pavor
O carnaval é a invenção do diabo
Que Deus abençoou
Deus e o diabo no Rio de Janeiro
Cidade de São Salvador
Não se grile
A rua Chile sempre chega pra quem quer
Qual é qual é qual é
Qual é qual é
Quem pode, pode
Quem não pode vira bode
Foge pra praça da Sé
Cidades maravilhosas
Cheias de encantos mil
Cidades maravilhosas
Os pulmões do meu Brasil
Comentário do autor: "Outra coisa também foi uma música que se chama Deus e o Diabo, que eu fiz pro carnaval, desses frevos que eu faço para o carnaval da Bahia, e nesse caso eu cheguei até a ir a Brasília, falei com o chefe da Censura, lá. Tentei argumentar, mas não consegui, porque, no final, eu cantava: “Cidade maravilhosa, / Cheia de encantos mil, / Cidade maravilhosa, / Os bofes do meu Brasil”, e eles cortaram bofes, acharam que não podia ser. (...) Eu sei que eles disseram que era uma coisa desrespeitosa, que era o Hino da Guanabara, e eu falava pra eles que bofe quer dizer pulmão, é por onde o Brasil respira. Quer dizer: uma piada, a mistura de Salvador com o Rio. (...) É claro que quando uma palavra, poeticamente, quando eu estou escrevendo uma letra, quando eu estou cantando ao violão, enfim, quando estou fazendo uma letra, eu em geral percebo aquela palavra com todas as conotações semânticas que ela tem, e assim é que fica rica. Quer dizer: uma palavra ali, uma palavra só, que explode em diversas direções, e é claro que tem a conotação da gíria da palavra bofe. Todas duas, tanto na gíria, que se diz mulher feia, ou o cara que transa com bicha, e todas essas coisas, me vinham à cabeça. Eu acho bonito dizer, mas é uma palavra que tem um significado, pra mim, de pulmões, mas é uma palavra que tem uma ambiência grossa e debochada, que eu precisava para música de carnaval, porque fica mais poética. Mas aí eu botei pulmões, porque a Censura não permitiu. Aí eu botei "pulmões do meu Brasil”, pronto." (Caetano Veloso em entrevista para a revista a Veja, 1977).