É Proibido Proibir (Caetano Veloso) + Discurso Festival 1968
A mãe da virgem diz que não
E o anúncio da televisão
Estava escrito no portão
E o maestro ergueu o dedo
E além da porta ao porteiro
Sim
E eu digo não
E eu digo não ao não
E eu digo
É proibido proibir...
Me dê um beijo, meu amor
Eles estão nos esperando
Os automóveis ardem em chamas
Derrubar as prateleiras
As estantes, as estátuas
As vidraças, louças, livros
Sim
E eu digo sim
E eu digo não ao não
E eu digo
É proibido proibir...
(Caí no areal na hora adversa que Deus concede aos seus
Para o intervalo em que esteja a alma imersa em sonhos
Que são Deus
Que importa o areal, a morte, a desventura
Se com Deus me guardei
É o que me sonhei, que eterno dura
É esse que regressarei)
[Trecho do poema "D. Sebastião" de Fernando Pessoa]
Me dê um beijo meu amor
Eles estão nos esperando
Os automóveis ardem em chamas
Derrubar as prateleiras
As estátuas, as estantes
As vidraças, louças, livros
Sim
E eu digo sim
E eu digo não ao não
E eu digo: É!
Proibido proibir
É proibido proibir
É proibido proibir
É proibido proibir
É proibido proibir
Mas é isso que é a juventude que diz que quer tomar o poder? Vocês têm coragem de aplaudir, este ano, uma música, um tipo de música que vocês não teriam coragem de aplaudir no ano passado! São a mesma juventude que vão sempre, sempre, matar amanhã o velhote inimigo que morreu ontem! Vocês não estão entendendo nada, nada, nada, absolutamente nada. Hoje não tem Fernando Pessoa. Eu hoje vim dizer aqui, que quem teve coragem de assumir a estrutura de festival, não com o medo que o senhor Chico de Assis pediu, mas com a coragem, quem teve essa coragem de assumir essa estrutura e fazê‑la explodir foi Gilberto Gil e fui eu. Não foi ninguém, foi Gilberto Gil e fui eu! Vocês estão por fora! Vocês não dão pra entender. Mas que juventude é essa? Que juventude é essa? Vocês jamais conterão ninguém. Vocês são iguais sabem a quem? São iguais sabem a quem? Tem som no microfone? Vocês são iguais sabem a quem? Àqueles que foram na Roda Viva e espancaram os atores! Vocês não diferem em nada deles, vocês não diferem em nada. E por falar nisso, viva Cacilda Becker! Viva Cacilda Becker! Eu tinha me comprometido a dar esse viva aqui, não tem nada a ver com vocês. O problema é o seguinte: vocês estão querendo policiar a música brasileira. O Maranhão apresentou, este ano, uma música com arranjo de Charleston. Sabem o que foi? Foi a Gabriela do ano passado, que ele não teve coragem de, no ano passado, apresentar por ser americana. Mas eu e Gil já abrimos o caminho. O que é que vocês querem? Eu vim aqui para acabar com isso! Eu quero dizer ao júri: me desclassifique. Eu não tenho nada a ver com isso. Nada a ver com isso. Gilberto Gil. Gilberto Gil está comigo, para nós acabarmos com o festival e com toda a imbecilidade que reina no Brasil. Acabar com tudo isso de uma vez. Nós só entramos no festival pra isso. Não é Gil? Não fingimos. Não fingimos aqui que desconhecemos o que seja festival, não. Ninguém nunca me ouviu falar assim. Entendeu? Eu só queria dizer isso, baby. Sabe como é? Nós, eu e ele, tivemos coragem de entrar em todas as estruturas e sair de todas. E vocês? Se vocês forem… se vocês, em política, forem como são em estética, estamos feitos! Me desclassifiquem junto com o Gil! Junto com ele, tá entendendo? E quanto a vocês… O júri é muito simpático, mas é incompetente. Deus está solto!
Me dê um beijo meu amor
Eles estão nos esperando
Os automóveis ardem em chamas
Derrubar as prateleiras
As estátuas, as estantes
As vidraças, louças, livros
Sim
E eu digo sim
E eu digo não ao não
E eu digo: É!
Proibido proibir
Fora do tom, sem melodia. Como é júri? Não acertaram? Qualificaram a melodia de Gilberto Gil? Ficaram por fora. Gil fundiu a cuca de vocês, hein? É assim que eu quero ver. Chega!
© 1968 Ed © Gapa/Saturno - Compacto simples. Gravado ao vivo no Teatro da Universidade Católica (TUCA, São Paulo) durante o III Festival Internacional da Canção (FIC). No álbum Cinema Olympia, do box 40 anos Caetanos (Universal), há rara gravação em estúdio junto com Os Mutantes.
Comentário do autor: "A intolerância crítica por parte das gerações mais novas com relação às anteriores. (O tropicalismo tratou seus antecessores com amor e humor.) A existência da Bahia. (O tropicalismo mal tratou do assunto.) A existência do carnaval. (O tropicalismo mal tratou do assunto.) A influência das modas culturais francesas sobre os intelectuais brasileiros (e argentinos, certamente). O episódio “É proibido proibir” resume-se no seguinte: Guilherme Araújo, meu empresário, me mostrou na Manchete uma reportagem sobre os acontecimentos de maio em Paris que eu não quis ler pois tenho preguiça de ler. Lembro-me que ele mesmo virou a página e disse: é engraçado, eles pixaram coisas lindas nas paredes. Esta frase aqui é linda — "é proibi do proibir”. Eu falei. É lindíssima. Ele falou — faça uma música usando esse negócio como refrão. Eu disse – tá. Passou. Eu não fiz. Daí ele me cobrou. Eu disse, faço. Fiz. Achei meio boba, mas bonitinha. Todo mundo na hora achou bonita. No dia seguinte eu já a achava péssima. Até hoje só gosto do ritmo e de uma parte da letra que diz "eu digo sim, eu digo não ao não". Veio o festival da Globo. Eu não tinha nenhuma música bacana pra botar. Nem muita vontade de entrar no festival. Só me convenci a concorrer quando decidi pegar aquela música que eu não gostava e fazer uma esculhambação com o festival. A canção foi escondida pelo happenning e pelas vaias. Sérgio Ricardo ficou intrigado nos bastidores ao ver minha alegria: "não entendo como vocês podem ficar tão contentes de serem vaiados". Quando voltei para repetir a música já o Gil tinha sido desclassificado (o que me enfureceu porque eu achava o número dele genial) enquanto o meu “É proibido proibir” tinha merecido do júri as melhores notas. Entrei no teatro decidido a dar um esporro. E dei. Disse que o júri era incompetente e a platéia burra ou coisa assim. Tá no disco." (Caetano Veloso no Livro Alegria, Alegria (Org. por Waly Salomão). Pedra Q Ronca, 1977).
"A França, para mim, tem um apelo particular. Com base na revolta da Sorbonne, escrevi uma das minhas músicas mais autênticas: É Proibido Proibir. O que a França me deu em inspiração, quero pagar em canção". (Caetano Veloso em entrevista à revista Manchete, 1971).
"Foi aquele escândalo, mas a canção, eu não achava muito boa. Acho fraca." (Caetano Veloso. Livro Sobre as letras. Companhia das Letras, 2003).
"Não mudei de opinião. Não acho É Proibido Proibir uma grande canção. Gosto daquela coisa de sim e não, do jeito que está ali, mas é uma canção bem fraquinha. Ela ficou legal pelo que aconteceu em torno dela, mas não pela canção em si. Tanto que nunca foi um sucesso." (Caetano Veloso. Songbook organizado por Almir Chediak, 1988).