Este Amor (Caetano Veloso)
Se alguém pudesse ser um siboney
Boiando à flor do sol
Se alguém, seu arquipélago, seu rei
Seu golfo e seu farol,
Captasse a cor das cores da razão do sal da vida
Talvez chegasse a ler o que este amor tem como lei
Se alguém judeu, iorubá, nissei, bundo,
Rei na diáspora
Abrisse as suas asas sobre o mundo
Sem ter nem precisar
E o mundo abrisse já, por sua vez,
Asas e pétalas...
Não é bem, talvez, em flor
Que se desvela o que este amor
(Tua boca brilhando, boca de mulher,
Nem mel, nem mentira,
O que ela me fez sofrer, o que ela me deu de prazer,
O que de mim ninguém tira
Carne da palavra, carne do silêncio,
Minha paz e minha ira
Boca tua boca boca tua boca cala minha boca)
Se alguém cantasse mais do que ninguém
Do que o silêncio e o grito
Mais íntimo e remoto, perto além
Mais feio e mais bonito
Se alguém pudesse erguer o seu Gilgal em Bethania...
Que anjo exterminador tem como guia o deste amor?
Se alguém nalgum bolero, nalgum som
Perdesse a máscara
E achasse verdadeiro e muito bom
O que não passará
Dindinha lua brilharia mais no céu da ilha
E a luz da maravilha
E a luz do amor
Sobre este amor
© 1989 Ed. Gapa / Warner Chappell - Álbum Estrangeiro - Caetano Veloso.
Comentário do autor: "Fiz para Dedé. Acho uma canção lindíssima, sobretudo a primeira parte. Não considero tão boa a ponte com a segunda parte. Não que seja feia, é até bonita, mas quando se canta, e muda o ritmo, fico com pena, porque a primeira parte, naquele ritmo e com aquelas palavras, "se alguém pudesse ser um siboney", é mesmo muito linda. Eu comecei a canção a partir de um texto de Kafka, um daqueles textos curtos, que começa assim: "se alguém pudesse ser um pele vermelha e sair pelas pradarias". Eu mudei para "siboney", que são os índios que habitavam a ilha de Cuba pré-colombiana". (Caetano Veloso. Sobre as Letras. Companhia das Letras, 2003).