Genipapo Absoluto (Caetano Veloso)

Como será pois se ardiam fogueiras
Com olhos de areia quem viu
Praias paixões fevereiras
Não dizem o que junhos de fumaça e frio
Onde e quando é genipapo absoluto
Meu pai, seu tanino, seu mel
Prensa, esperança, sofrer prazeria
Promessa poesia Mabel

Cantar é mais do que lembrar
É mais do que ter tido aquilo então
Mais do que viver do que sonhar
É ter o coração daquilo

Tudo são trechos que escuto: vêm dela
Pois minha mãe é minha voz
Como será que isso era este som
Que hoje sim gera sóis dói em dós
"Aquele que considera"
A saudade de uma mera contraluz que vem
Do que deixou pra trás
Não, esse só desfaz o signo
E a "rosa também"

© 1989 - Ed. Gapa / Warner Chappell - Álbum Estrangeiro - Caetano Veloso. 

Comentário do autor: "Fala de Santo Amaro, como tantas outras. Há duas citações: a primeira é "aquele que considera", que cita letra e melodia de uma canção de Ataulfo Alves, a segunda é "rosa também", que recupera letra e melodia de Mané Fogueteiro, um sucesso com Augusto Calheiros. Eu tinha citado noutras letras Irene, Clara, Nicinha, menos Mabel, que, quando eu era criança, era a minha irmã favorita, com quem eu mais me identificava e é minha madrinha de apresentação (eu a chamo às vezes Dinha). E ela reclamava disso. Enfim, ela, que faz poesia, apareceu aqui, aliada à poesia. Mas a canção me emociona por outras duas coisas também. Primeiro, o jeito como aparece meu pai: "Onde e quando é genipapo absoluto?/ Meu pai, seu tanino, seu mel". Eu adoro isso. Uma pessoa em São Paulo, descendente de italianos, pensou que meu pai se chamasse Caetano, porque os italianos usam Tanino como apelido de Caetano, de Gaetano. Não é o caso, pois aqui "tanino" é substantivo comum. A letra também fala de "prensa", porque meu pai me chamava para ajudá-lo a prensar o jenipapo numa prensa de madeira para fazer o licor. Era sempre a mim que ele chamava: "Caetano, vamos prensar o jenipapo". Eu adorava fazer. Eu adorava o licor, adoro ainda. Prensar o jenipapo com meu pai me deixava todo orgulhoso. Ele tinha certa cumplicidade comigo numas coisinhas assim. E algumas eram cruciais, como essa, espremer o jenipapo. Outro dado que me emociona é que essa canção fala de minha identificação com meu pai mas declara, em seguida, que "minha mãe é minha voz". (Caetano Veloso. Sobre as Letras. Companhia das Letras, 2003).

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