Livros (Caetano Veloso)

Tropeçavas nos astros desastrada
Quase não tínhamos livros em casa
E a cidade não tinha livraria
Mas os livros que em nossa vida entraram
São como a radiação de um corpo negro
Apontando pra a expansão do Universo
Porque a frase, o conceito, o enredo, o verso
(E, sem dúvida, sobretudo o verso)
É o que pode lançar mundos no mundo.

Tropeçavas nos astros desastrada
Sem saber que a ventura e a desventura
Dessa estrada que vai do nada ao nada
São livros e o luar contra a cultura.

Os livros são objetos transcendentes
Mas podemos amá-los do amor táctil
Que votamos aos maços de cigarro
Domá-los, cultivá-los em aquários,
Em estantes, gaiolas, em fogueiras
Ou lançá-los pra fora das janelas
(Talvez isso nos livre de lançarmo-nos)
Ou ­- o que é muito pior -­ por odiarmo-los
Podemos simplesmente escrever um:

Encher de vãs palavras muitas páginas
E de mais confusão as prateleiras.
Tropeçavas nos astros desastrada
Mas pra mim foste a estrela entre as estrelas.

© 1997 Uns Produções (Natasha) - Álbum Livro - Caetano Veloso. 

Comentário do autor: "As palavras parecem dizer muita coisa relevante quando a gente canta. Quando a gente pensa um pouco, nada é mesmo relevante. Depois a gente pensa mais e volta a desconfiar de que talvez tudo seja relevante. Nesse sentido, ela não é uma canção sobre livros, mas uma canção sobre as canções. Eu tinha acabado de escrever o longo livro Verdade Tropical. Estava pensando muito no assunto da relevância da canção." (Caetano Veloso. Sobre as Letras. Companhia das Letras, 2003).

Postagens mais visitadas deste blog

Os Argonautas (Caetano Veloso)

O Leãozinho (Caetano Veloso)

Milagres do Povo (Caetano Veloso)