Neide Candolina (Caetano Veloso)

Preta chique, essa preta é bem linda
Essa preta é muito fina
Essa preta é toda glória do brau
Preta preta, essa preta é correta
Essa preta é mesmo preta
É democrata social racial
Ela é modal

Tem um Gol que ela mesma comprou
Com o dinheiro que juntou
Ensinando português no Central
Salvador, isso é só Salvador
Sua suja Salvador
E ela nunca furou um sinal
Isso é legal

E eu e eu e eu... sem ela

Nobreza brau, nobreza brau
Nobreza brau, nobreza brau

Preta sã, ela é filha de Iansã
Ela é muito cidadã
Ela tem trabalho e tem carnaval
Elegante, ela é muito elegante
Ela é superelegante
Roupa Europa e pixaim Senegal
Transcendental

Liberdade, bairro da Liberdade
Palavra da liberdade
Ela é Neide Candolina total

E a cidade, a baía da cidade
A porcaria da cidade
Tem que reverter o quadro atual
Pra lhe ser igual

E eu e eu e eu... sem ela

Nobreza brau, nobreza brau
Nobreza brau, nobreza brau...

© 1991 Uns Prod. - Álbum Circuladô - Caetano Veloso.

Comentário do autor: "Neide é uma mistura de duas pessoas pretas da Bahia. Uma é Neide, minha amiga, que hoje em dia tem um restaurante no Rio de Janeiro chamado Iorubá. Eu a conheci quando ela tinha dezoito anos. Quem me apresentou foi um amigo, Antonio Risério, que é poeta e ensaísta. Ele disse: "Você tem que conhecer a Neide e o pessoal dela, é uma gente maravilhosa, vamos ao Zanzibar! Eu disse a ela que a gente ia descer lá hoje". Então, descemos onde ela morava, embaixo do restaurante que pertencia à família dela. E, quando chegamos, ela estava nua em pêlo! Linda! Perfeitamente linda! Estava ouvindo um disco do Djavan. Ela me falou: "Você gosta do Djavan? Você quer um pouquinho de coca-cola?". Assim, totalmente social. Conversava, cruzava as pernas, pegava as coisas, mostrava revistas, comentava, mudava a faixa do disco, nua, elegantíssima, social, sem qualquer escândalo. Ela tinha ficado nua em casa porque estava calor em Salvador, e não tinha certeza se Risério ia mesmo lá naquele dia. Mas também não quis se vestir quando chegamos, não se assustou. A outra pessoa que entrou na composição de Neide Candolina foi minha professora de português, a mais importante de todas, Dona Candolina. Então eu misturei o nome das duas e criei uma personagem negra, baiana, moderna. O mais interessante é que parece a palavra 'brown' aqui, que é uma palavra que, na Bahia, era usada de modo pejorativo. Nos anos 70, 80, dizia-se: "está muito 'brown' isso aqui; a praia está muito 'brown'", porque tinha muito preto, era muito baixo nível, uma coisa cafona e pobre. Os pretos se chamavam de 'brown' por causa de James Brown. Por isso que Carlinhos Brown é Carlinhos Brown, Mano Brown é Mano Brown; tudo vem de James Brown. E como os pretos se chamavam de 'brown' uns aos outros, a gíria pegou e a classe média "branca" começou a usar a palavra 'brown' como quem diz 'cafona' na Itália." (Caetano Veloso. Sobre as Letras. Companhia das Letras, 2003).

"Esta foi encomendada por Arto Lindsay. Fiz em Nova Iorque em dois dias. É uma espécie de Totalmente demais da província da Bahia." (Caetano Veloso em depoimento a Marcia Cezimbra, 1991).

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