Noite de Hotel (Caetano Veloso)

Noite de hotel
A antena parabólica só capta
Videoclips
Diluição em água poluída
(E a poluição é química e não
Orgânica)
Do sangue do poeta
Cantilena diabólica, mímica pateta

Noite de hotel
E a presença satânica é a de um
Diabo morto
Em que não reconheço o anjo torto
De Carlos nem o outro
Só fúria e alegria
Pra quem titia Jagger pedia simpatia

Noite de hotel
Ódio a Graham Bell e à telefonia
Chamada transatlântica
Não sei o que dizer a essa mulher
Potente e iluminada
Que sabe explicar perfeitamente
E não me entende
E não me entende nada

Noite de hotel
Estou a zero, sempre o grande otário
E nunca o ato mero
De compor uma canção
Pra mim foi tão desesperadamente
Necessário

© 1897 Ed. Gapa / Warner Chappell - Álbum Caetano - Caetano Veloso. 

Comentário do autor: "Fiz em Lisboa, num hotel. Estava muito mal, deprimido e irritado ao mesmo tempo. Falo mal dos videoclipes da MTV que estavam passando, digo que são uma mera diluição do "sangue do poeta", numa referência ao filme de Cocteau [Le sang d'un poète, 1930], do qual todos os videoclipes de rock-and-roll são uma contrafação de décima quinta categoria. Eu já achava, mas na hora sentia aquilo com muita raiva." (Caetano Veloso. Sobre as Letras. Companhia das Letras, 2003).

"No meu disco novo, canto uma canção que fiz em Lisboa e gravei quando voltei. Depois que eu já tinha gravado, Drummond morreu. A canção se refere diretamente a ele. Chama-se Noite de Hotel. Fiquei em Lisboa um tempo, para fazer espetáculos pela Europa. O hotel tinha uma antena parabólica - e a TV só passava videoclip. Eu estava super mal, com raiva de ver aquilo toda noite na TV. Eu não tinha outro programa para fazer. Aquilo, então, foi me dando uma raiva de videoclip, uma coisa que sempre adorei. Naquela altura, videoclip me deu raiva. Digo, na música, que o que eu via ali era a presença de "um diabo morto / em que não reconheço o anjo torto de Carlos / nem outro / só fúria e alegria / para quem titia Jagger / pedia simpatia".  É uma citação nominal e direta a Carlos Drummond." (Caetano Veloso. Depoimento sobre Carlos Drummond de Andrade para o Jornal do Brasil, 1987). Nota: O diabo morto para quem "titia Jagger" pedia simpatia é uma citação da célebre canção "Sympathy For The Devil", composta por Mick Jagger nos anos 60. 

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