O Homem Velho (Caetano Veloso)
O homem velho deixa a vida e morte para trás
Cabeça a prumo, segue rumo e nunca, nunca mais
O grande espelho que é o mundo ousaria refletir os seus sinais
O homem velho é o rei dos animais
A solidão agora é sólida, uma pedra ao sol
As linhas do destino nas mãos a mão apagou
Ele já tem a alma saturada de poesia, soul e rock'n'roll
As coisas migram e ele serve de farol
A carne, a arte arde, a tarde cai
No abismo das esquinas
A brisa leve traz o olor fugaz
Do sexo das meninas
Luz fria, seus cabelos têm tristeza de neon
Belezas, dores e alegrias passam sem um som
Eu vejo o homem velho rindo numa curva do caminho de Hebron
E ao seu olhar tudo que é cor muda de tom
Os filhos, filmes, ditos, livros como um vendaval
Espalham-no além da ilusão do seu ser pessoal
Mas ele dói e brilha único, indivíduo, maravilha sem igual
Já tem coragem de saber que é imortal
© 1984 Ed. Gapa / Warner Chappell - Álbum Velô - Caetano Veloso.
Comentário do autor: "À memória de meu pai, a Mick Jagger e a Chico Buarque, que agora tem 40 anos, mas aos 20 fez uma canção lindíssima sobre o tema." (Caetano Veloso no encarte do disco Velô, 1984).
"Essa música foi um modo de pensar a coisa da velhice naquela altura. Lembro que dediquei ao meu pai e ao Mick Jagger (risos). Acho que vale essa frase. É poética, né? Deixa vida e morte para trás porque fica acima dessa questão de 'vai morrer não vai morrer', 'a vida é finita não é finita'. Hoje, sinto diferente. Tinha muito medo de morrer. Não tenho vontade nenhuma de morrer, quase nenhuma... Mas, hoje, não tenho aquele medo de morrer de quando era moço. Quando fiz 'O homem velho', ainda tinha mais medo que tenho hoje. É uma coisa meio 'a vida que você tem, que está tendo, vale totalmente ali". Não depende de ter sido, de vir a ser afirmada ou destruída. Era isso que queria dizer com esse verso. Acho que ainda vivencio isso". (Caetano Veloso para o Jornal O Globo, 2021).