Ou Não? (30/05/2010)

Mesmo que tenha sido uma confusão nascida da ignorância de alguns humoristas, é uma honra para mim ter herdado o bordão "ou não" de Walter Franco. Há quem diga que mereço, não a proximidade de Walter, mas as sugestões pejorativas do bordão. Muita gente vê indefinição suspeita no que para mim é independência política. Em tempos de eleição, essas reduções tornam-se mais grosseiras. Pois bem: vou pensar em voz alta. Não me importo com Dilma ou Serra. Sou Marina de todo o coração. Se tiver de escolher entre os outros dois, acho que prefiro Dilma, já que, como eu disse na entrevista ao "Estadão" (que ficou famosa por causa da palavra "analfabeto"), Serra está à esquerda da política econômica de Lula (a matéria do GLOBO com Serra dizendo a Miriam Leitão que "o Banco Central não é a Santa Sé" - com aquelas fotos apavorantes - poderia ser criticada pela "Caros Amigos" como alarmismo suspeito, imposto pelo poder dos rentistas). Ou seja, eu prefiriria Dilma porque ela defende a independência do Banco Central.

Aconselho a leitura de "Aqui ninguém é branco", de Liv Sovik. É a mais complexa e corajosa reflexão sobre raça no Brasil dentre as que vêm do lado dos racialistas. Mas meu comentário, dirigido a Felipe Hirsch, contrastando o racismo popular com o racismo de elite, eu o reenviaria a Liv. Acabo de chegar da inauguração do Centro Cultural Waly Salomão, em Vigário Geral: grupos de garotas locais, pretas, mulatas e brancas, chegavam bem arrumadas e tomadinhas-banho, sorrindo entre si. Liv diz, com ironia, que "têm razão os que contrastam os EUA com o Brasil, valorizando o quadro brasileiro: para os brancos, especialmente, ele é muito melhor". Nem uma gota de ironia em minha recomendação do livro. Leiam e verão que ela vai muito além dessa canelada.

Tenho 67 anos. Cresci, amadureci e envelheci ao som da "Aquarela do Brasil", o nosso hino nacional oficioso, em cujo segundo verso o país é chamado de "mulato inzoneiro". Nunca vi ninguém estranhar o uso da palavra "mulato" para definir o país. Mas nada me dizia que não houvesse brancos no Brasil. Meu pai era mulato. Minha mãe é branca. Sendo ela de extração mais humilde, era ela quem usava a expressão popular "eles que são brancos, que se entendam", quando se alegrava por não ter que entrar em certas disputas. Mesmo que fossem entre meu pai e Luís de Gaspar, um preto retinto que era amigo dele. Gaspar era o português que tinha uma loja de ferragens onde Luís trabalhava. Depois Luís abriu a sua própria. Todos diziam "segunda é dia de branco" - quer dizer: dia de trabalharmos para os patrões. Isso independentemente da cor de quem dizia, e mesmo da dos patrões. A ideia arraigada de que somos um país mulato não nos impedia de distinguir explicitamente entre brancos e pretos, ou mulatos, caboclos, sararás. E sempre foi evidente que "branco" indicava vantagens estéticas, econômicas e sociais.

Liv vai além do habitual: fala da invisibilidade do branco e analisa a mídia. Tudo bem que ela comente textos da "Veja", mas por que nem ela comenta textos que Paulo Francis, o mais adorado e imitado jornalista brasileiro, louvava a retomada do projeto de eugenia por trabalhos como "A curva do sino", que diz provar ser a inteligência média dos estudantes negros americanos inferior à dos brancos? Exibir simpatia por coisas assim era reação aos movimentos negros. Esses movimentos eram necessariamente racialistas. Passou haver, então, uma reação antirracialista, como, por exemplo, a de Antônio Risério, e uma reação racialista, como a de Francis. A menina que disse a Liv, em Salvador, "aqui ninguém é branco" tem posição próxima à minha, que é próxima à de Risério e avessa à de Francis. 

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O presidente Lula ensaiou o anúncio de uma negociação de peso com o Irã. Vejo Lula como um grande personagem épico. Ele pode ser atraído pelas baixezas do populismo. Mas, até aqui, tem pesado mais sua vocação para representar o que o Brasil tem de original. Parte da sua euforia - que pode ser intragável - é reconhecimento disso. É narcisismo salutar, abençoada vaidade histórica. A tentativa de costurar um papo entre os aiatolás e a capitalistada tem, por mais que a analogia com Chamberlain (lembrada por Diogo Mainardi) proceda, mais peso do que todas as outras bolas na trave que ele e Amorim deram antes. 

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Sou anticarlista, não fundaria a Embrafilme, não julgo Pinochet pelo que ele deu de útil ao Chile. "The Economist", falando do óleo no Golfo do México, diz que "o congresso americano deve endurecer as penas para os faltosos. Mas, infelizmente, não haverá nenhum esforço para dar conta dos maléficos efeitos colaterais do petróleo. Pois vazamentos estão longe de ser o efeito mais deletério da dependência do petróleo de que sofrem os EUA: aquecimento global e financiamento de déspotas estrangeiros vêm no topo da lista". Essas são as palavras editoriais de uma revista liberal inglesa. É por coisas assim que os princípios liberais resistem mais em mim do que a hipótese comunista. O que se sobrepõe a ambas as visões é o sebastianismo de Agostinho da Silva. Este era claramente antiliberal em economia, mas tinha horror a regimes de força. Muitas das suas tiradas são espetaculares. A minha preferida é: "Portugal já civilizou Ásia, África e América - falta civilizar Europa". Gosto porque falamos português. O mundo lusófono tem sido, há já séculos demais, um ridículo histórico. A mera existência do Brasil parece dizer "chega!". 

Caetano Veloso. 

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