Perdeu (Caetano Veloso)
Pariu, cuspiu
Expeliu
Um Deus, um bicho
Um homem
Brotou alguém
Algum ninguém
O quê?
A quem?
Surgiu, vagiu
Sumiu, escapuliu
No som, no sonho
Somem
São cem
São mil
São cem mil
Um milhão
Do mal, do bem
Lá vem um
Olhos vazios
De mata escura
E mar azul
Ai, dói no peito
Aparição assim
Vai na alvorada manhã
Sai do mamilo marrom
O leite doce e sal
Tchau, mamãe
Valeu
Cresceu, vingou
Permaneceu, aprendeu
Nas bordas da favela
Mandou, julgou
Condenou, salvou
Executou, soltou
Prendeu
Colheu, esticou
Encolheu, matou
Furou, fodeu
Até ficar sem gosto
Ganhou, reganhou
Bateu, levou
Mamãe, perdeu
Perdeu, perdeu
Céu
Mar e mata
Mortos da luz desse olhar
Antes assim do que viver
Pequeno e bom
Não diz isso não
Diz isso não
A conta é outra
Tem que dar, tem que dar
Foi mal, papai
Anoiteceu
Brilhou, piscou
Bruxuleou, ardeu
Resplandeceu
A nave da cidade
O Sol se pôs
Depois nasceu
E nada aconteceu
O Sol se pôs
Depois nasceu
E nada aconteceu
O Sol se pôs
Depois nasceu
E nada aconteceu
© 2009 Uns Produções (Natasha) - Álbum Zii e Zie - Caetano Veloso.
Comentário do autor: "É a mais longa, um pouco triste, mas a letra não é pessoal como as de Cê, é meio samba." (Caetano Veloso para o Jornal O Globo, 2008).
"Eu fiz a música e eu não sabia nem o que botar na letra. Começaram a aparecer esses verbos e aí eu vi que estava aparecendo um personagem e eu deixei ele ser o personagem que ele pintasse. Terminou sendo o personagem tipo jovem do morro, traficante. Não conta a história porque é um pouco mais abstrata, entendeu? Você sente só aquele clima, porque isso também vem um pouco do negócio do rock que já está no Cê. São letras que não fazem questão de apresentar coerência de narrativa, de ideia. Você lança muitas frases sugestivas e já está dito." (Caetano Veloso em depoimento para o canal Obra em Progresso, 2008).