Rock'n'Raul (Caetano Veloso)

Quando eu passei por aqui
A minha luta foi exibir
Uma vontade fela da puta
De ser americano

(E hoje olha os mano)

De ficar só no Arkansas
Esbórnia na Califórnia
Dias ruins em New Orleans
O grande mago em Chicago

Ter um rancho de éter no Texas
Uma plantation de maconha no Wyoming
Nada de axé, Dodô e Curuzu
A verdadeira Bahia é o Rio Grande do Sul

Rock'n'me
Rock'n'you
Rock'n'roll
Rock'n'Raul

Hoje qualquer zé mané
Qualquer caetano
Pode dizer
Que na Bahia
Meu Krig-Ha Bandolo
É puro ouro de tolo

(E o lobo bolo)

Mas minha alegria
Minha ironia
É bem maior do que essa porcaria

Ter um rancho de éter no Texas
Uma plantation de maconha no Wyoming
Nada de axé, Dodô e Curuzu
A verdadeira Bahia é o Rio Grande do Sul

Rock'n'me
Rock'n'you
Rock'n'roll
Rock'n'Raul

© 2000 Uns Produções (Natasha) - Álbum Noites do Norte - Caetano Veloso. 

Comentário do autor: "É uma homenagem crítica e autocrítica a Raul Seixas e à paixão brasileira pela cultura de massa norte-americana." (Caetano Veloso. Sobre as Letras. Companhia das Letras, 2003).

“Sabe o que é Rock in Raul? É o embrião da banda Cê, é fruto de conversas que eu vinha tendo com Pedro Sá. Eu conversava com ele sobre fazer algo com rock, e esse foi o primeiro que fiz pra tocar no tema diretamente... porque Raul é a grande figura individual na história do rock no Brasil, ele é ao mesmo tempo um cara que se ligou no rock desde os anos 50, e também quem mais afirmou isso no momento em que - depois dos Beatles e do Tropicalismo – o rock se tornou uma coisa prestigiosa. Ele é um grande personagem histórico, ele era muito autêntico. Ele era do rock mesmo, produzia discos de coisas pop, meio comum e tal; depois fez aquele disco coletivo, muito interessante; e aí finalmente fez aqueles discos solo dele. Eu o acho espetacular, então quis me aproximar do assunto rock, indo diretamente ao ponto máximo dele no Brasil, que era o Raul. E é uma homenagem histórica, mas tem gente que encrenca. Uma vez, um cara na Bahia, um rapaz jovem, me chamou e quase me agrediu fisicamente. Ele me puxou, meio agressivo: 'Pô, por que você foi falar de Raul? Quem é você pra esculhambar com Raul na letra da música?' Eu respondi: 'Mas eu nunca esculhambei com Raul, eu adoro Raul!' E ele ficou lá, brigando pra burro por causa dessa música. Agora saiu algo no Jornal do Brasil - que não existe mais no mundo real, só no mundo virtual. Mas alguém escreveu defendendo o Raul contra a suposta 'condenação da figura cultural’ dele, feita por mim nessa canção, quando na verdade é uma ode à grande figura da história do rock no Brasil! O problema é porque eu falo da 'vontade feladaputa de ser americano', como se isso fosse irreal ou pejorativo, ou se eu estivesse acusando Raul de algo ruim. É 100% real e bem na linguagem dele.. E muito baiano também. É uma constatação feita por quem não tem nenhum problema com os americanos, porque ele defendeu a influência da cultura de massa americana nos anos 60. Por que sou suspeito de ser anti-americanista e de estar acusando o Raul? Não! A vontade enorme de ser americano é algo que nós temos, e possivelmente quem mais se entregou a isso conseguiu resultado. Ele foi direto; eu não fui, eu resistia. Quando eu era jovem aquilo não me interessava, eu gostava da tradição brasileira e da tradição americana de música bonita. O rock no princípio eu achava banal, vulgar e grosseiro. Mas quase todo mundo achava isso, mesmo quem fazia – pois fazia por não saber de outras coisas. É a história real de nossas vidas! Nos anos 60, eu não o conhecia – embora ouvisse falar de Raulzito e os Panteras, porque Gil conhecia.. Gil andava pela cidade e conhecia todo mundo. Depois do Tropicalismo, quando eu voltei de Londres, ele era produtor e tinha feito aquele disco coletivo. Ele me chamou na casa dele, era casado com uma americana. Eu fui lá numa boa, almoçamos e tal. Ele gostava muito de mim porque a gente tinha muita identificação, afinal a gente era careta. Nem ele, nem eu tomávamos droga, nem bebíamos, nem fumávamos, nem fazíamos nada. A gente fumava cigarro careta, mas ninguém tomava nenhuma droga. E também porque a gente tinha 48 quilos, éramos os dois muito magros. Raul era muito amigo, muito amigável, sempre. Depois foi pirando, mas continuou meu amigo". (Depoimento para a Coleção Caetano Veloso 70 anos, 2012).

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