Segunda (Caetano Veloso)

Segunda é dia de branco
Vou arrastar meu tamanco
Quem não tem dinheiro em banco
Madruga e Deus não ajuda

Sexta-feira eu dou o arranco
No sábado aguento o tranco
Chega no domingo estanco
Na segunda tudo muda
Digo isso com alegria
Não vejo o nascer do dia
Mas pela Virgem Maria
Tenho dinheiro e patrão

Eu mesmo sou mei galego
O meu chefe no emprego
É que é mulato pra nego:
Só ecos da escravidão
Se conhece pela bunda
Pela tristeza profunda
Mas é só dele a segunda
Eu foi que herdei a senzala

Mas agora a minha sala
Tem geladeira de gala
À dele quase se iguala
Muda o mundo em barafunda
Vou arrastar meu tamanco
Que amanhã volto à peleja
Quem não me mata me beija
Mas ninguém morre de inveja

Essa é a última cerveja
Bendigo que vai à igreja
Quem não vai, louvado seja
Segunda é dia de branco

© 2011 - Álbum Recanto - Gal Costa.

Comentário do autor: "Segunda é uma palavra que me veio logo quando imaginei fazer esse disco porque o primeiro disco que nós fizemos juntos chamava-se Domingo, então eu quis botar Segunda. Achei que era bonito mesmo porque poderia ficar bonito na capa escrito assim 'Segunda Gal', como se fosse uma segunda vinda, como se fosse uma segunda Gal. Mas tudo isso é meio rebuscado. A pessoa que não está dentro da história vê a palavra 'segunda'... Talvez não tivesse essa conotação para o comprador do disco, entendeu? Nós terminamos relutantemente abandonando o título 'Segunda', mas a canção nasceu por causa do desejo de ter essa palavra ligada ao disco. Logo eu me lembrei desse ditado que eu ouvi desde criança 'segunda é dia de branco', porque no fim de semana você farreia mas segunda tem que trabalhar. 'De branco' quer dizer 'é dia do patrão', dia que tem que trabalhar para o patrão. É uma coisa engraçada porque Segunda e Neguinho são duas faixas que têm levado várias pessoas a quem eu tenho mostrado o disco a dizerem que eu estou fazendo uma crônica do Brasil de Lula, que ambas as faixas têm os elementos da realidade atual da subida da classe D para a C, dessa mudança que houve com o Bolsa Família e os outros dispositivos oficiais de distribuição de renda. E eu achei interessante, eu não tinha pensado de antemão nisso e reconheço que há esse negócio mesmo. E achei que ficou linda. É uma faixa, ao contrário de todo o resto do disco, onde não tem nenhum som eletrônico. Foi tudo Moreno: prato, violão e cello." (Caetano Veloso em entrevista para o lançamento do disco Recanto, 2011). 

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