Two Naira Fifty Kobo (Caetano Veloso)
No meu coração da mata gritou Pelé, Pelé
Faz força com o pé na África
O certo é ser gente linda e dançar, dançar, dançar
O certo é fazendo música
A força vem dessa pedra que canta Itapuã
Fala tupi, fala iorubá
É lindo vê-lo bailando ele é tão pierrô, pierrô,
Ali no meio da rua lá
© 1977 Ed. Gapa / Warner Chappell - Álbum Bicho - Caetano Veloso.
Comentário do autor: "Naira é o nome da moeda nigeriana. Kobo é a fração. "Two naira fifty kobo" é o preço que o motorista do ônibus que servia à delegação brasileira no FESTAC¹ atribuía a tudo que se lhe encomendava e terminou virando seu apelido. Ele punha ju-ju music pra tocar no toca-fitas do ônibus, que ficava estacionado em frente ao prédio tipo "Fundação da Casa Popular" que nos abrigava (e que inspirou o termo "refavela" a Gil), e dançava horas seguidas, sobre o asfalto da rua deserta. Ele era feio e magro, usava sempre aquelas roupas estampadas e dançava com os olhos fechados. Parecia um pierrô bêbado dos Carnavais baianos do início dos anos 60. Sua dança, no entanto, tinha essa graciosidade africana e transmitia doçura e melancolia." (Caetano Veloso. Sobre as Letras. Companhia das Letras, 2003). Nota do organizador Eucanaã Ferraz: 1 - "Caetano e Gil, em janeiro-fevereiro de 1977, participaram do 2º Festival Mundial de Arte e Cultura Negra, em Lagos, Nigéria, onde passaram cerca de um mês".
"Eu vi muita coisa, muita coisa demais sendo apresentada. Não dava para você ver nem um décimo do que tinha, mas mesmo você vendo só um vigésimo, já via muito, porque eram coisas lindas, música, teatro, pintura, tudo. E gente, principalmente gente que a gente fica conhecendo. É um barato. Gente de todos os países do mundo onde tem a cultura negra, todo mundo morando no mesmo bairro. [...] Em homenagem ao motorista nigeriano do ônibus que nos transportava em Lagos, compus Two Naira Fifty Kobo (duas nairas e 50 kobos, a moeda de lá), apelido que as pessoas puseram no motorista. Era um cara sensacional, que dirigia dançando as músicas populares que tocavam no toca-fitas do ônibus. Fiz a música dentro daquele clima. A letra é um negócio meio vago, poético, e a música tem alguma coisa de africano, no ritmo, na melodia e um tratamento próprio, guitarra de percussão, ao invés de bateria, como eles fazem lá. A música tem uma lembrança das emoções de estar ali, ver aquelas coisas, falo em Pelé e em Itapoã, tem um sentimento que eu não sei explicar. Foi coisa sentida, não pensada. É, a viagem me fez muito bem." (Caetano Veloso para a Revista Domingo, 1977).