Um Dia (Caetano Veloso)

Como um dia numa festa
Realçavas a manhã
Luz de sol, janela aberta
Festa e verde o teu olhar

Pé de avenca na janela
Brisa verde, verdejar
Vê se alegra tudo agora
Vê se pára de chorar

Abre os olhos, mostra o riso
Quero, careço, preciso
De ver você se alegrar
Eu não estou indo-me embora
Tou só preparando a hora
De voltar

No rastro do meu caminho
No brilho longo dos trilhos
Na correnteza do rio
Vou voltando pra você

Na resistência do tempo
No tempo que vou e espero
No braço, no pensamento
Vou voltando pra você

No Raso da Catarina
Nas águas de Amaralina
Na calma da calmaria
Longe do mar da Bahia,
Limite da minha vida,
Vou voltando pra você

Vou voltando como um dia
Realçavas a manhã
Entre avencas verde-brisa
Tu de novo sorrirás

E eu te direi que um dia
As estrelas voltarão
Voltarão trazendo todos
Para a festa do lugar

Abre os olhos, mostra o riso
Quero, careço, preciso
De ver você se alegrar
Eu não estou indo embora
Tou só preparando a hora
De voltar
De voltar

© 1966 Ed. Arlequim - Álbum Domingo (1967) - Caetano Veloso e Gal Costa. Interpretada por Caetano Veloso. Defendida por Maria Odette no II Festival de Música Popular Brasileira (1966) na TV Record em São Paulo, ganhou prêmio de melhor letra. 

Comentário do autor: "É sobre querer voltar para Salvador. Quando compus os versos "no rastro do meu caminho/ no brilho longo dos trilhos/ na correnteza do rio/ vou voltando pra você", eles ecoavam, para mim, a letra lusitana escrita para "Mãe Preta", que é o "Barco negro", que fala "no vento que lança areia nos vidros, na água que canta, no fogo mortiço, no calor do leito, nos barcos vazios, dentro do meu peito estás sempre comigo." (Caetano Veloso. Sobre as Letras. Companhia das Letras, 2003).

"Tenho 24 anos, sou solteiro, filho de funcionário do Departamento de Correios e Telégrafos em Santo Amaro, interior da Bahia, onde nasci. Passei a infância lá mesmo, sentindo curiosidade pelo que me cercava e fascinação por tudo o que me poderia tirar de Santo Amaro. Nesse tempo eu pintava, escrevia, desenhava e tocava piano. Em 1960 fui para Salvador e ingressei na Faculdade de Filosofia. Estava em evidência a bossa-nova de João Gilberto. Depois de ouvir o que ele fazia, decidi enfrentar com maior responsabilidade a tarefa de saber música. Aprendi a tocar violão e entrei para o grupo do Teatro Vila Velha, em Salvador. Preocupado com as coisas que Tom, Vinicius e João Gilberto formulavam, resolvi usar seus métodos na pesquisa de nossas raízes folclóricas. Daí em diante, mudei um pouco, pois já havia abandonado a preocupação formal da bossa-nova e queria fazer música brasileira, mesmo sem as pesquisas de harmonia e de forma poética. Hoje digo o que sinto, com o aperfeiçoamento musical que adquiri e com a consciência que a realidade brasileira me dá. Foi assim que falei de amor, na música, Um Dia." (Caetano Veloso para a Revista Realidade, 1966). 

"Primeiro me nasceram alguns versos: “Abre os olhos/ Mostra o riso/ Quero, careço, preciso/ De ver você se alegrar/ Eu não estou indo embora/ Tô só preparando a hora/ De voltar”. A música estava nascendo para minha irmã, Maria Bethânia, que havia pedido uma canção que falasse em despedida. Mas acabei mandando a coisa para o concurso. Já gostei menos de Um Dia. Achava a música feia. Hoje gosto um pouco mais, embora reconheça que se trata de uma canção desmembrada, de fórmula meio violenta. Maria Odete foi muito bem cantando a música, mas o seu estilo não é o meu. Bem, ela fez tudo com muita seriedade." (Caetano Veloso para o Jornal O Globo, 1966).

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