A Praça Castro Alves (1970)

A Praça Castro Alves é do povo como o céu é do condor. O céu é azul. O azul é incrível. O vermelho é incrível. O mar da Bahia fica acima do nível do mar. Mandei fazer pra você, Maria, uma fantasia de papel crepom. Mas pra você sair na rua tem que a previsão dizer que o tempo é bom. Amarelo. O sol underground. Cerveja ferro na boneca antártica a cerveja brahma nossa amaralina. Amaralina, para quem está por fora da geografia, fica longe, muito longe da Praça Castro Alves. Mas pra quem está por dentro da geografia Amaralina fica também ali embora Amaralina seja o lugar onde o mar está ao nível do mar e a terra está ao nível do mar e o céu também enquanto na Praça Castro Alves o mar está acima do nível da mão do poeta e não há geografia que explique que descreva que estude o azul é do povo como o vermelho e o amarelo. O sol, dizia eu, underground sobem flores losangos cotovelângulos eu só posso falar com você sobre o que você não entende numa forma que você não entenda. O branco. Como o negro é do condor. Fui telefonar pra o meu amor, disquei o número mas não fui atendido. Eu metia o dedo, tirava o dedo, já estava com o dedo ferido. Carnava. Ladeira, águas bruscas, sacasacasaca sacarolha. Eu quero é couro. Na rua do ouro. Barbarracas Sé. Oi, todo dia eu tomo banho. Minha rolinha do mesmo tamanho. Severiano Mudança do Garcia Internacionais. Tororó da janela da casa Clara Tororó Lay tio Lay Clara janela Tororó. Garcia. Mais um, mais um, Bahia. Filhos de Gandhi. Relógio certo atrasado de São Pedro Relógio de São Pedro atrasado preguiça Cabeça Anjo Azul Fantoches da Eutherpe. O Fantoches é do povo como o céu é da rolinha.

Fantoches: coxas. Quem sabe, sabe. Doutora Lu, Doutor Lulu. Voltando ao sol, cuidem de mim correndo paladeira morrendo atrás do trielétri. Não tem doutor pra lhe curar, não tem padre pra lhe salvar, não tem polícia militar pra lhe prender, não tem juiz pra lhe julgar, não tem ladrão pra lhe roubar. Quero morrer, quero morrer já. Fui curado de cansaço e medo por um doutor. Quero viver, quero viver lá. Policiais vigiando. Iate Clube da Bahia Baiano Associação Atlética Coqueijo a onça moça ninguém entra late Clube carteirinha penetra late Clube ninguém também lá dentro é tão. Misericórdia. Sé. Cada ano sai pior. Cada ano sai melhor no sábado será que é o Cada Ano Sai Pior que no sábado cada ano sai melhor? Reco-recordações. Recor-recordações. O sal da terra. O sal batendo nos telhados cor da pele. O Teatro Castro Alves é do corvo como parto é dos com dor. Barroquinha, barracas, brahmas, beijos. Maria, Jota. O sol da terra. Tororó. Fui beber água e achei até cerveja e feijoada no ano que eu estava com dor de dente todo o mundo está a fim de te ajudar no teu karmaval. Ai ai ai ai, está chegando a hora. Cielito lindo. Sabes que me estás matando, que estás acabando con mi corazón. Manhã, tão bonita manhã. Qual a marcha de maior sucesso qual o samba aguardo cartas. Eu não sei de nada. Eu não sou daqui. Sai de cima dessa nega que essa nega tá de Pata, pata. Boi, boi, boi, boi da cara preta, vem comer Gracinha que tem medo de careta. Oi, todo dia eu tomo banho. Digão, cadê o dragão? Não adianta se o Recife está longe e a saudade é tão grande que eu.

Caetano Veloso.

O PASQUIM, 2 DE ABRIL DE 1970.

Fonte: Livro O Mundo Não É Chato. Caetano Veloso. Organizado por Eucanaã Ferraz. Companhia das Letras, 2005. 

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