Cinema e público - entretenimento e arte (1960)
Vamos constantemente ao cinema. Lemos todos os números das “revistas especializadas”. Sabemos os nomes e temos decoradas as caras (e os gestos) de Rocks Hudsons, Tonys Curtis, Elizabeth Taylors e nos consideramos a par das coisas de cinema quando sabemos dos novos casamentos dos atores, quando estamos em dia com os últimos divórcios, quando conhecemos os últimos boatos e mexericos. Mas não conhecemos um só nome de diretor. Não procuramos ver quais as mensagens dos seus filmes. Nem supomos que é ele o importante numa película, e não o ator. Temos notícia do que vestiu Marilyn Monroe na noite da avant première, mas não tentamos compreender o que pensou Fellini ao realizar La strada ou o que sentiu De Sica ao criar Ladrões de bicicletas. Para nós o importante é Brigitte Bardot, e não Jean Renoir, é Sophia Loren, e não Rossellini.
A nossa situação em face do cinema: ou, melhor, a situação do cinema diante de nós, o público, é quase desconcertante.
A verdade é que não estamos avisados acerca de cinema. É que o atraso cultural em que ainda nos encontramos é tão grande que não reconhecemos o cinema como uma cultura. Se lemos um livro, cremos aumentar nossa cultura, se ouvimos música, sabemos que estamos nos educando; mas, se vemos um filme, nos sentimos como quem leu uma revista em quadrinhos.
Não neguemos se preferimos os dramalhões às obras primas; se preferimos os canastrões aos grandes atores é porque somos ignorantes acerca do cinema. Mas reconhecer isso não basta. Esse conformismo é que nos deixa no atraso em que estamos. Não basta sabermos que não sabemos; é preciso que procuremos saber.
Não pensemos que temos muita personalidade quando discordamos dos críticos. Procuremos entender por que eles discordam de nós. Não nos conformemos em dizer que eles são malucos ou ignorantes porque não concordam com nossas opiniões. Tentemos estudar por que eles não concordam.
Não sabemos acerca de Cinema. Verdade. E a missão dos críticos não pode ser ensinar-nos o que é cinema, mas induzir-nos a estudá-lo; é espicaçar no espectador inteligente a curiosidade sobre a arte cinematográfica; é levá-lo a procurar ler os compêndios que já foram escritos sobre a cinestética. É orientá-lo.
Procurar saber sobre arte cinematográfica não é apenas um passatempo esnobe, mas uma necessidade cultural do homem moderno. Porque das artes, a mais atual é o cinema. É a que mais exprime o espírito inquieto do momento; é a arte do movimento; é a que mais se pode aproximar do público, ou, melhor, é a que mais aproxima o público dele mesmo: é a arte de maior importância social.
O homem precisa de arte porque além de ter nervos e músculos tem uma coisa que se chama alma. E a arte é a maior carícia para a alma. Por isso ele sempre praticou esses exercícios do espírito. Praticou ou contemplou. Porque a arte é prazer para quem a faz e para quem a observa. E o homem necessita desse prazer. Para quem a pratica é o prazer de externar seus sentimentos. Para quem a contempla é o prazer de ver o belo ou de reconhecer, no sentimento do artista, seu sentimento.
Para o momento atual, para nossa era, para o nosso século, o cinema é o melhor meio de expressão para os artistas e a melhor maneira de os espectadores encontrarem seus sentimentos na obra artística. Ainda: o cinema é a arte de maior importância social e política. É a que mais penetra no espírito dos povos levando idéias, ensinamentos, mensagens. Nós precisamos entender essas idéias, alcançar esses sentimentos, interpretar essas mensagens. Além de entreter nossas almas com a estética dessa arte, moderna por excelência.
Caetano Veloso.
O ARCHOTE, Nº 2, SANTO AMARO, BAHIA, 30 DE OUTUBRO DE 1960.
Fonte: Livro O Mundo Não É Chato. Caetano Veloso. Organizado por Eucanaã Ferraz. Companhia das Letras, 2005.