Jeito (28/10/2012)

A Bahia tem um jeito. Há anos escrevi, na letra de outra música, que bastaria que um prefeito desse um jeito na Cidade da Bahia. Infelizmente tenho me achado cada vez mais longe de ver isso acontecer. Mesmo assim, continuo esperando. A primeira frase, extraída de “Você já foi à Bahia?”, de Caymmi — justamente a frase que interrompo na palavra “jeito” (no original, o verso de Caymmi se segue de “que nenhuma terra tem”), no sampling que fiz dessa canção para complementar a minha já extensa “Terra” —, sugere tanto a guitarra de Armandinho quanto o apoio de Jorge Amado (e o de Glauber Rocha!) a ACM, o velho; tanto a cara de Ivete na TV quanto o livro de Risério na estante; tanto o acarajé da Cira quanto o último texto de Ubaldo sobre o mensalão; tanto “Deus e o diabo na terra do sol” quanto “Faraó”. Sugere mais: sugere a concomitância, em Amado, do apoio a ACM com a campanha (que ele nunca abandonou) para que se erguesse em Salvador um monumento a Marighella. De minha parte, sempre me identifiquei com o lado Marighella das lutas de Jorge — e nunca com o lado ACM. Mas tenho o jeito.

‘Que um prefeito desse um jeito na cidade’ está do lado Marighella da equação. Tudo pode ficar parecendo “esquerda” e “direita”, não faz mal. Mas é também algo diferente disso. É questão de redefinição real, física, de nossa vida de provincianos nascidos ou vivendo na primeira capital do país. Temos de mudar o nosso passado. Quando eu gritava para o senador ACM que “ninguém é meu dono”, eu queria mesmo dizer que aquele personagem de Antônio Fagundes em Gabriela que ele representava na vida não deveria valer mais nada. O que surpreendia — e de que todos gostávamos — em seu filho Luís Eduardo era a civilidade moderna com que ele se relacionava com os colegas legisladores. Por isso mesmo é que insisto em exigir que o nome dele seja retirado do aeroporto de Salvador. Em respeito a ele. Luís Eduardo não parecia querer construir uma carreira política que confirmasse o “Polígono das Secas” de Diogo Mainardi. Não reconheço nesse deputado nada de grandioso, mas ele foi um jovem político promissor e civil. Não merecia o “memorial” que fica na Avenida Paralela nem seu nome no aeroporto. Claro que mais importante é que a Bahia não mereça ver o nome Dois de Julho substituído pelo do deputado (numa rapidez que nunca entendi, já que, no Rio, para que se pusesse Tom Jobim no Galeão — e mesmo assim como segundo nome — custou uns anos e várias explicações públicas sobre as dificuldades e riscos de se renomearem aeroportos). Mas sua memória também merecia respeito. O amor e a dor de seu pai terminaram por apequená-lo. Luís Eduardo parecia também querer mostrar que não seria preciso rebeldia explícita para ter criatividade política num mundo mais moderno do que aquele que o pai dele representava; que a sombra do velho não impediria o surgimento de alguma luz própria. Sua morte entregou-o a essa sombra histórica.

ACM Neto parece-se mais com esse esboço de Luís Eduardo do que com os monumentos a Clériston Andrade ou o assassinato do Abaeté. Salvador está assolada pela feiura. Urbanística, arquitetônica e social. Tudo é problema grande que havemos de saber enfrentar. Redistribuição, educação, transporte público. Um prefeito numa cidade-chave conta muito. Eu seria um péssimo cabo eleitoral de Neto, dadas as críticas e exigências que faço da superação do que há de pior no legado carlista. Mas não sou obrigado a apoiar qualquer candidato do PT. Acredito em partidos. Mas não sou filiado a nenhum. Ainda comemoro intimamente a fundação do PT. Penso como Demétrio Magnoli sobre não se poder tratá-lo como quadrilha. Modo de pensar que já me tinha levado a torcer por Haddad em Sampa. Torço pelo baixinho na Bahia porque suponho que com ele pode-se recomeçar um papo sobre a cidade. Mesmo que seja para brigar. Com o candidato do PT fica parecendo fim de papo. Penso de modo complexo a política eleitoral. Não tenho credenciais de politicólogo para fazer isso. Nem preciso. Vejo o eleitorado fazer, coletivamente, manobras mentais complicadas. As viradas paulistanas não mostraram o olhar simples que Lula queria. E aqui, quase 30% para Freixo também disseram muito.

Minha Bahia é Baby do Brasil, que, niteroiense, conheci em Salvador, linda aos 17. E que hoje está melhor do que nunca para voltar a cantar. Mais consciente musicalmente, enriquecida pela onda pentecostal. Nos EUA os cantores saem dos púlpitos e vão para a pista. Muitos voltam aos púlpitos, e, de Mahalia Jackson a Al Green, ninguém brilha menos por isso. Fiz campanha para Freixo, amo Baby, prefiro ACM e Haddad porque eu sou eu e nicuri é o diabo.

Caetano Veloso.

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