Não verás um paris como este (1969)

Cremúsculo. O sol, a só, despe de si, digo, despede-se, desce pé ante pele, descalço, dá-se e sobe, digo, sob, ou melhor, sobre as bandas cremoças das mulheres alfíssimas do hemisferno nhorte. Kolinas sonrisam no horizonte. Mastros desdesenham-se no ocidonte. Acapulcos e havaís tampouco. Tranquislidade. Moite. Não há dúvida: é chagada a hera dos maiares desgrossos. Não há dúdiva: ele virá, sentará de pé sobre a poldrona enfernizada onde tandos senturam e ferá o seu elequante discorso: sua eterna dádiva; nossa eterna dívida. Assim pressunto trudo que já estrá aquantessendo en cuanto camino por las calles de esta casa grande mansão da minha hotess. Sua majestade, sua desclarada, sua cachorra de minha adolescênica, por que nunca me declaraste nenhum amor enquanto eu era virgem e voraz? Eres una pública. Y yo te quiero, yo te quiero... Mas como eu ia rizendo: alguns mastrodantes circruzavam pela prehisteria na hora da ave maria. Cai a tarde tristonha e serena, em macio e suave langor, despertando no meu coração as saudades do primeiro amor. Um gemido e se esvai lá no espaço nesta hora de lenta agonia quando o sino saudoso murmura badaladas apropriadas. Braçal, ano dos maus. Brastel, amo dos meus. Passou o ano dos gols. Bravil, anda com ferro e gurgulho a terra onde Maciste, criança, enfrentou João Lúcio Godar: não verás nenhum paris como este. Olha que shell, que mer, querida, que forgets! Papo furado. Acordar tarde demais é que é fogo. A mulher que eu amo realmente me disse que eu acordasse mais cedo um pouco. Ao crepúsculo é demais. Fossa na certa. Merci bocu. O bandeide da luz vermelha rides again. Qualquer negócio. Hoje em dia, minha filha, tanto faz como tanto fez. Entretanto não adianta resposta. Há dias em que adias tudo. Ou: há dias tudo. ADIO GRINGO! Here comes the sun king. Ringo, João, Paulo e Jorge. Ringo nunca foi santo... João houve dois e agora há, pelo menos, 23. Paulo parlava molto. Jorge adaptou-se tão bem aos pegís brasileiros que o Vaticano depediu-o. Eis tudo o que sei sobre religião, perguntarão. E jamais saberão. E nunca sabão. E nem são. E não. Hão? Rima rica do meu verso, minha canção preferida, melodia do meu samba, vida da minha própria vida.

- Ouvi passos lá fora.

- Quem será?

- A essa hora.

- Anda, Luzia, pega um travesseiro e vai ver lá no quintal.

- Eu? Mas nem morta.

- Anda logo. E fale baixo aqui pra ele não ouvir.

- Ele quem?

- Sei lá... o ladrão, ora. Quem fez o barulho lá fora.

- Que barulho?

- Você não ouviu?

- Ah. Não encha o saco.

Luzia levantou-se, andou até o banheiro, acendeu a luz. Uma estranha serenidade invadiu a sua alma. Lá estavam as escovas de dente sobre a pia, a banheira rachada, o chão molhado em volta da latrina, todas as pequenas coisas das quais dependia a sua felicidade. Será que a palavra latrina sairia na revista Querida? Trentarei, noventarei. Eu sou um escritor cujo estilo é uma tentativa de realizar o irrealizável: um Nelson Rodrigues prafrentex.

Caetano Veloso.

O PASQUIM, 4 DE DEZEMBRO DE 1969

Fonte: Livro O Mundo Não É Chato. Caetano Veloso. Organizado por Eucanaã Ferraz. Companhia das Letras, 2005. 

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