Sobre a beleza de Bethânia (1981)

Penso em Rodrigo, nosso irmão mais velho, toda vez que medito sobre a beleza de Bethânia. Muitas vezes, no meio do almoço, ele fixava extasiado o rosto dela ainda menina e gritava do mesmo jeito que eu hoje grito “Jorge Ben é o maior de todos nós": "Bethânia é linda". Acho que ela própria se achava feia, ou temia sê-lo. Rodrigo teorizava um pouco, tecia considerações sobre a comovedora curva da sobrancelha que pendia lírica de uma testa imensa e luzidia. Tenho certeza de que ele sabia, como eu sei agora, que não se trata de tomar o feio por bonito, obedecendo a uma perversão do gosto. Ao contrário, trata-se de estar apto para captar a beleza exatamente nesses momentos importantíssimos em que ela dribla o olho viciado em admirar seus sucedâneos para, assim, libertada, poder crescer, dominar, vencer.

Quando Bethânia se lançou profissionalmente, eu me irritava com os comentários na imprensa sobre sua “feiúra". Não por ela ser minha irmã e eu desejar-lhe elogios, mas sobretudo por não suportar a cegueira das pessoas diante do lance estético que é o aparecimento da figura física de Maria Bethânia. Eu era impaciente. Eu era mais impaciente do que sou hoje e sempre tive essa ansiedade de ensinar tudo que eu descubro a todo mundo. Com o tempo, a própria Bethânia e os outros foram traduzindo a mensagem visual que ela porta ou que ela é. Lembro de Dedé, em Londres, fazendo uma campanha para Bethânia deixar de usar peruca ou alisar o cabelo - Bethânia prometeu que, assim que chegasse ao Brasil, faria um show com os cabelos ao natural. Foi o Rosa dos ventos. Mas uma mulher, uma fotógrafa, contribuiu decisivamente para que tudo isso fosse possível: Marisa Alvarez Lima, numa série de fotografias para a antiga revista O Cruzeiro, onde os lábios, a pele, os seios de Berré se revelam e revelam o que é que a beleza queria dizer com tudo aquilo.

 Algo ou muito do que aqui foi dito sobre a beleza física de Bethânia também se poderia dizer sobre a sua beleza moral e / ou intelectual. Este livro é um deslumbrante ensaio sobre isso. Quando eu vi, em casa de Marisa, a série de slides de que ele se comporia, acreditei estar diante do ponto mais alto da mitologia brasileira contemporânea, mas também diante do documentário mais realista sobre uma pessoa do Brasil de agora. Acho que o show Rosa dos ventos, de Fauzi Arap, não se faz uma coisa tão profunda sobre Bethânia. Como irmão, colega, discípulo, tutor, admirador e amigo, sinto que este livro me recarrega de felicidade. Obrigado, Marisa. A Bethânia nem dá para agradecer.

Caetano Veloso.

Apresentação do livro Maria Bethânia, de Marisa Alvarez Lima, editora Intersong, 1981.

Fonte: Livro O Mundo Não É Chato. Caetano Veloso. Organizado por Eucanaã Ferraz. Companhia das Letras, 2005. 

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