Entrevista para a Revista Trip (1º de maio de 2009)
por Fernando Luna e Nina Lemos.
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Foto: Fernando Young.
Caetano Veloso fala. Quando era adolescente, chegava a passar 40 horas seguidas tagarelando. Ele ri da própria verborragia. Aos 66 anos, ainda tem o que dizer. E continua gostando de uma conversa. Não é diferente quando recebe a reportagem da Tpm, em um hotel no Rio de Janeiro. Mas, depois de uma hora de entrevista (a quinta do dia, e a esta altura o dia já virou noite), começa a se mexer. “Estou preocupado com o Zeca, ele não está se sentindo bem”, explica. Antes mesmo de a conversa ter começado, em plena troca de turno de jornalistas e fotógrafos, um assistente soprara para Caetano: “Zeca ligou perguntando se tinha um substituto para água de coco, e eu disse que não”. Tsc, tsc, tsc. “Mas claro que existe, fala pra ele tomar Pedialyte”, receita o baiano, evocando o santo remédio protetor das crianças desidratadas.
É, ninguém é pai de três filhos à toa. Além de Zeca, 17 anos, e Tom, 12, do casamento com Paula Lavigne (de quem está separado desde 2004), Caetano tem ainda Moreno, 36, de sua união com Dedé Gadelha. Moreno, aliás, funciona como uma espécie de água de coco para o pai, um tipo de, vá lá, Pedialyte artística, capaz de reidratar a música de Caetano.
Para começar, foram seus amigos Pedro Sá, Marcelo Callado e Ricardo Dias Gomes que, desde o disco Cê, em 2006, deram street cred às ambições mais roqueiras de Caetano. Depois, o próprio Moreno faz a direção de produção deste Zii e Zie – sim, como você leu em todos os jornais, o título quer dizer “tios e tias” em italiano.
Mas Caetano não paga de tiozinho, não. Nem junto à turma do filho, agora Banda Cê, todos ali nos 30. “Quem foi jovem nos anos 60 e continua produtivo em geral tem algo como eu tenho”, arrisca. Esse algo pode ser definido como inquietação.
Revolução Permanente.
Pensando bem, isso não é tão comum assim. Mas, como define o amigo e parceiro Jorge Mautner no documentário Palavra (En) cantada: “Tropicalismo é a revolução permanente”. Pois Caetano é o tropicalista. E desde que cantou “Alegria, Alegria”, no III Festival da MPB, em 1967, tenta-se explicar o que, afinal, isso significa.
Talvez a melhor resposta tenha sido formulada por ele mesmo, ao reagir às vaias, no ano seguinte, quando cantou “É Proibido Proibir”. “Nós tivemos coragem de entrar em todas as es truturas e sair de todas”, vociferou Caetano, dividindo méritos com Gil.
Entrar e sair de todas as estruturas resume a trajetória de Caetano. Quando acreditaram que ele só queria saber de banquinho e violão, sacou as guitarras. Quando imaginaram que música de protesto era a única saída num país sob ditadura, ficou “Odara”. Quando reconheceram que era chique, mandou “Um Tapinha Não Dói”. Quando queriam confinar o cantor à música, opinou sobre o Brasil. Quando todo mundo entendeu que ele era neguinha, engrossou a voz para dizer: “Eu sou homem/ pelo grosso no nariz”. Quando emendou discos elegantes com standards em espanhol e em inglês, logo quebrou tudo com uma banda de garotos. Quando Radiohead parecia moderno ao permitir que internautas decidissem o preço de In Rainbows, inventou o blog Obra em Progresso, em que os internautas acompanhavam e opinavam no disco Zii e Zie propriamente dito.
E, quando parecia que a entrevista havia acabado antes de terminar (a doença do Zeca, lembra?), Caetano sugere continuar o papo no dia seguinte. Ainda faltava falar de muita coisa. Caetano Veloso fala.
Tpm. Por que gravar agora “Lobão Tem Razão”, oito anos depois de ele dizer para você “chega de verdade”, na música “Mano Caetano”?
Caetano. A música do Lobão me toca como um todo. Mas esse “chega de verdade” é forte demais para mim. Fiquei admoestado, senti que alguma coisa teria que mudar em mim. É uma mania de verdade. A questão não é de ser verdade, é de precisar tanto dizer. A frase ainda tem a mesma repercussão na minha cabeça. Ele tem razão porque não consegui melhorar em nada quanto a isso.
A velhice deixa você mais inflexível?
A velhice traz uma espécie de teimosia. Mas em mim percebo mais um descompromisso. Quando se é mais jovem, se toma cuidado para não ser desaprovado. Está se colocando na vida, no mundo. Tem um esforço instintivo para não estragar essa inserção.
O quanto era importante para você a aprovação dos outros?
Era importante, ainda é. Porém, na velhice, é aquele paradigma de A Velha Dama Indigna, do [Bertolt] Brecht: uma senhora direita, com filhos e netos, que resolve não ter limitação e começa a fazer o que quer. Já vivi tudo, não devo mais nada a ninguém, o que vou esconder agora? Nada.
Como está sendo a entrada na velhice?
Há muitas coisas objetivas. Não usava óculos e agora ando de óculos, senão fica tudo fora de foco. Se tomar um talho, na minha idade demora a cicatrizar. Meus cabelos, que eram cacheados e pretos, não têm mais o cachinho e ficaram brancos.
Se a mulher deixa o cabelo branco, todo mundo acha horrível.
É verdade. Pessoalmente, gosto de mulheres com cabelo grisalho, acho bonito. Mas uma vantagem da mulher é que ela pode pintar o cabelo. Homem de cabelo pintado fica com cara de político babaca... Tem várias vantagens e desvantagens em ser homem e ser mulher, mas prefiro ter nascido homem.
Por quê?
Não sei... Cresci no fim dos anos 40, anos 50, quando as mulheres não tinham mobilidade social nenhuma. Não podiam ir ao bar, sair sozinhas, sair à noite. Era chato para mulher. Eu tinha um pouco de pena das mulheres, era feminista quando criança. Mais do que sou hoje.
Por que ficou menos feminista?
Porque também cresci, amadureci, aprendi as coisas da vida [risos].
E as mulheres continuam sem poder envelhecer.
Ainda é comum se achar que a mulher deve ser objeto de apreciação, que não pode ter rugas e precisa ser jovem. Isso também está atrelado à biologia, porque os sinais para reprodução são os da mulher jovem. A mulher, depois de uma certa idade, não se reproduz mais. Então, do ponto de vista animal, não precisaria mais produzir excitação sexual. Já o homem não. O homem vai até o fim. Não é mera tolice homens procurarem moças jovens, é uma coisa um pouco hormonal. Não gosto de ser preso a biologia, mas é assim. Gosto muito de mulheres jovens, mas também de mulheres velhas e mulheres de meia-idade.
Você escreveu uma música sobre velhice logo depois que seu pai morreu, “O Homem Velho”, em que definia: “O homem velho é o rei dos animais”.
Eu estava ficando maduro, ficando velho. Mas muito menos do que hoje [risos]. Achei bonito dizer aquilo como uma lembrança de meu pai. Ele era um homem muito altivo, mas suave e elegante. Muito bom, muito equilibrado, muito respeitado na cidade inteira. Então, era um entusiasmo afirmativo diante dessa figura patriarcal benigna.
Existe alguma cena que resuma a relação de vocês?
Tem uma muito forte que sintetiza tudo. No dia em que saí da prisão [em 1969], a soltura não foi bem uma soltura. Quando Gil e eu chegamos a Salvador no avião da FAB, acompanhados do chefe da polícia federal do Rio de Janeiro, tinha uma ordem de prisão antiga. Aí fomos jogados numa cela de novo. Só soltaram a gente à noite. Saímos sem dinheiro, meio apavorados. Quando chegamos à minha casa, só tinha Nicinha, minha irmã de criação mais velha. Meus pais e meus irmãos tinham ido para o aeroporto e não sabiam que a gente tinha sido detido de novo [por mais algumas horas]. Quando vi a casa toda vazia, fiquei louco. Louco, louco, uma coisa terrível. O mesmo negócio que senti quando tomei ayahuasca, uma coisa que não dava na cabeça. Corria de um cômodo para o outro, gritava, chorava. Pensei: “Pronto, não existo mais”. Aí chegaram as pessoas, meu pai na frente. Quando ele me viu, falou assim: “O que é isso? Não me diga que você deixou esses filhos da puta te botarem nervoso?”. Fiquei bom.Na hora! Abracei ele e comecei a chorar. Foi uma ordem. Se meu pai não tivesse chegado, estava louco até hoje.
Seu pai sempre passou essa segurança?
É. Ele falou “filhos da puta”, e não era de xingar, nada, nunca. Mas naquela hora ele falou mesmo. Aquilo foi tão forte. Como ele tinha desprezo pela ditadura militar, sentia orgulho por eu ser definido como inimigo.
E você, é muito diferente ser pai aos 30 e aos 55 anos?
Basicamente, não. Filho é a coisa mais intensa que há. Eu não queria ter filho. Dedé [Gadelha, primeira mulher de Caetano, mãe de Moreno] e eu tínhamos decidido não ter filhos. De repente me veio uma vontade, justamente no fim do exílio, pensando que voltaria ao Brasil. Dedé ficou alegre depois que chegamos e topou. Moreno nasceu, e aí mudou tudo.
Moreno é filho da geração hippie, filho de hippies. Ele podia tudo?
Não. Vi muita gente confusa, permissiva, em relação a isso. Não foi meu caso.
É aquela história de saber o que dizer e o que não dizer na frente das crianças.
Justamente. Lembro que Moreno entrou numa escola que era muito aberta. Na primeira reunião de pais e mestres, o diretor e os professores falavam como a escola tinha que ser atraente, agradável e interessante. Pedi a palavra: “Olha, acho que a escola deve ser chata. Tem um aspecto que a escola deve admitir de ser uma instância chata na vida da gente, e que isso é fundamental para as crianças”. Moreno depois veio me dizer: “Pai, tá todo mundo falando que você é o maior careta” [risos].
Sua escola era chata?
Escola é chato. Mas gostava também, porque a gente encontra outras pessoas. E você tem umas tarefas a cumprir, tem que mostrar que aprendeu.
E você não gostava de futebol, o que deixa a escola mais difícil para os meninos.
Hoje é um paraíso, comparado com o que era nos anos 50, 40. Moreno e Zeca nunca jogaram futebol, e nunca ninguém achou que eles eram veados por causa disso. Tom joga lá no Zico [CFZ, Centro de Futebol Zico]. No meu tempo, não existia você não jogar futebol. Era a mesma coisa que chegar de vestido franzido cor-de-rosa.
Você tentava jogar?
Tentei. Peguei uma bola e fiquei treinando, assim, na parede. Tentei fazer um pouco de embaixadinha, levantar a bola e bater sem ser bicudo. Ficava jogando na rua, em Santo Amaro, e também no quintal enorme da casa. E pensei, sozinho comigo mesmo, que se quisesse jogar futebol seria um dos melhores jogadores que há. Mas não tinha a menor vontade.
Numa entrevista à Trip, você disse que poderia ser um gênio se tivesse se dedicado a isso. É a mesma coisa, né?
Sabe que penso assim? É um absurdo isso [risos].
O mundo perdeu um Pelé e ganhou um Caetano.
Aí vocês vão dizer que sou modesto, mas não tem comparação. Pelé é muito maior. Ele fez o negócio que tinha que fazer. Eu não.
Você não fez o que deveria fazer?
Todo mundo tem um pouco essa sensação, eu tenho bastante.
E o que deveria ter feito?
Alguma coisa para a qual tivesse uma vocação... Até tenho vocação para o que faço, mas ter o talento definido. Tenho talento definido para outras coisas que não fiz. Eu seria melhor para desenhar ou pintar, para fazer cinema ou para escrever.
Além do futebol...
Para futebol não tenho talento. Deixei falar de Pelé, mas pensei assim: “Poderia jogar muito bem”. Vi que podia, mas não tinha interesse. Achava chato ficar trombando nos outros meninos. Eu era muito feminino. Subia no araçá [goiabeira] e ficava cantando a tarde inteira.
Os outros meninos achavam você muito esquisito?
Me achavam meio assim, pouco masculino. Demonstravam às vezes, mas eu era muito amigo, muito inteligente para conversar, tinha muitos amigos na escola. Só uns meninos mais grosseiros que às vezes comentavam alguma coisa como “não é homem, não? Não joga futebol?”.
Em seu livro Verdade Tropical, você fala de hétero, homo e bissexualidade. Hoje essas definições são menos importantes?
Pode ser sim. Também pode haver um grande retrocesso, existem muitos movimentos religiosos que apontam na direção oposta. Mas, no Ocidente moderno, houve uma ampliação do entendimento da sexualidade. Somos sexuais, e não heterossexuais ou homossexuais.
Este Zii e Zie é bem sexual, embora nem tanto quanto o anterior, Cê. Como está a sexualidade nesta chegada à velhice?
Olha, para mim tem a mesma importância que sempre teve. Sou do time que acha sexo a coisa mais importante que há. Tipo Freud [risos]. Uma manifestação essencial de tudo.
Voltando ao que você deveria ter feito, por que você foi fazer música, então?Passividade total diante do que aconteceu. Tinha interesse em música, um conhecimento muito grande. O Alvinho Guimarães, que era um diretor de teatro de Salvador, ficou muito impressionado. Eu tinha uma capacidade de articulação bem parecida com a que tenho hoje. E ele me chamou para fazer a música da peça. Eu disse: “Não sei fazer música, eu falo sobre música”. Ele falou: “Tem que ser você, não tá tocando violão?”. Fiz, e todo mundo achou maravilhoso. Aí me apresentaram a Gil, que eu via na televisão e achava o máximo. Gil me adorou, achou que eu tinha que fazer música, que aquelas bobagens eram maravilhosas. Duas vezes quis deixar de fazer música e Gil não deixou.
Quando?
No fim do período da Bahia, quando a gente ainda era novo. E, mais tarde, depois do fim do tropicalismo, antes da prisão. Queria comprar uma Kombi e sair fazendo uns espetáculos pelo Brasil. E depois deixar tudo, ir fazer filme, escrever. Gil falou nitidamente: “Se você deixar de fazer música, também deixo”.
Jogou pesado.
Muito pesado. Então fui ficando, e depois fui preso. Aí teve o negócio de quase ficar louco, o exílio, e perdi um pouco daquela determinação. Fiquei mais acuado para mudar. A música era a única coisa que tinha, era real. Estava me agarrando à realidade. E gosto muito de música.
Então vamos falar de uma música nova. Em “Lapa”, você canta que “Pelourinho Vezes Rio é Lapa”. Essa equação de algum jeito resolve o Brasil?
Logo os primeiros versos dão todo o histórico de como é esse negócio para mim: “Samba Canal 100 no meio dos 60/ E nos 70 era o largo da Ordem”. Quando eu era menino, não existia Canal 100 [cinejornal sobre futebol]. Tocava fox quando passava futebol, resquício de que era um esporte britânico. Não havia vinculação entre futebol e samba. Eu pensava que, se colocassem samba no futebol, o Brasil iria se afirmar. Aí apareceu o Canal 100 com aquele samba “Que bonito é...”, uma coisa maravilhosa. Isso é de uma importância enorme, era o Brasil vindo.
E o largo da Ordem?
Quando voltei de Londres, Curitiba se tornou minha cidade favorita. O Jaime Lerner tinha recuperado o largo da Ordem, que tinha a arquitetura mais tradicional da cidade. Mas Curitiba não tem relíquia arquitetônica. Zero, se comparar a Salvador, São Luís, Rio de Janeiro. Olhei para aquilo e disse: “Não posso nem sonhar, mas se isso fosse feito na Bahia ou em São Luís ou no Recife...”.
Seria como juntar samba e futebol.
Entendeu? Não deu outra. Uma década depois, Antônio Carlos Magalhães fez a recuperação do Pelourinho. Quando aconteceu, nem queria ouvir reclamação do pessoal de esquerda, que dizia “mas as pessoas foram removidas...”. Conversa chata, demagógica. Aquela própria gente se beneficiaria tão mais de aquilo ter acontecido. Eu via aquilo como uma afirmação [do Brasil]. E era, e é. Depois, isso foi acontecendo na Lapa, de um jeito menos oficial que na Bahia. Fiquei muito emocionado. No Rio, esse efeito se multiplica, é muito maior. Levei uma amiga americana lá, e ela ficou impressionada como a Lapa era vital, elegante e popular.
Você continua saindo à noite?
Ah, sim. Gosto de ir aos lugares, de estar com as pessoas. Sou animado. Agora, a resistência é menor. Envelhecimento é isso. Demora para se recuperar de uma noite de cansaço, de uma balada. Eu emendava todo fim de semana na Bahia. Bebia muita cerveja e cachaça, e quando chegava segunda-feira estava novo. Depois foi ficando difícil. Já com 30 anos as ressacas eram insuportáveis.Foi ficando pior. Tô cheio de beber.
Não bebe mais nada?
Bebo só na terça de Carnaval. Este ano, bebi à beça.
Na Quarta-feira de Cinzas você deve ficar com a pior ressaca do mundo.
Mas todo mundo está, então fico mais ou menos. Tem pessoas que estão bebendo desde quinta, e eu só bebi na terça.
Em “Falso Leblon”, você fala de uma balada com ecstasy, que é uma droga da sua geração. Não tem uma incompatibilidade com essa turma mais nova?
Não tenho incompatibilidade com nenhuma geração boêmia. Com alguns caretas sim. Mas não gosto de droga, não tomo nada.
Nunca experimentou ecstasy?
Nunca. Já sofri demais com negócio de droga, não suporto. Nunca fui viciado nem me acostumei. Cheirei lança-perfume aos 14 anos e tive pavor. Fumei maconha com 23 e tive horas de pânico absoluto. Tomei ayahuasca e passei dias de horror e um ano de angústia. Agora, convivo com todo mundo.
O medo das drogas passa pelo medo de ficar louco?
Totalmente.
Ainda tem medo de ficar louco?
Tenho. Não gosto de perder a consciência nem a razão.
O que você achou do FHC defendendo a descriminação da maconha?
Gostei muito. Também gostei quando o Chico Buarque se manifestou a favor da legalização das drogas. Deveriam ser todas legais. Não gosto de pensar que as pessoas só não tomam droga porque é proibido. O álcool não é proibido, mas não é que a maioria da população seja alcoólatra.
Você saiu de um casamento longo, como está a vida de solteiro?
A princípio, senti dificuldade, mas ao mesmo tempo sentia a animação da novidade. Nunca tinha sido solteiro. Saí de dois casamentos longos, minha tendência se provou ser para casamentos longos. Vivi na casa de minha mãe até sair com Dedé, e ainda estava com Dedé quando comecei com Paulinha [Lavigne]. Não pude viver solteiro, ter uma casa minha. Depois melhorei, fui melhorando, hoje gosto muito. Moro com meu filho Zeca, e é muito bacana uma casa com dois caras.
Você casaria de novo?
Não pensei em casar nem da primeira vez.
Se pensar, não casa.
Existe um folclore generalizado de que os homens não querem casar. Acho que o homem depende mais do casamento do que a mulher, ficam mais desamparados quando se separam. Mulher é adulto, homem é criança.
Você ficou surpreso, como diz a música “Sem Cais”, ao se dar conta de que “ainda posso me apaixonar”?
Isso tem a ver com certas experiências minhas. Pensei que não fosse mais capaz, mas já faz tempo que descobri que talvez seja. Às vezes, você vê uma pessoa e percebe que poderia [se apaixonar], e nisso você sente tudo. Em geral, você se apaixona antes de encontrar alguém. Quando encontra, pode preencher e aquilo se potencializa, se materializa.
Já que você citou Freud antes, vamos falar da pulsão de morte. Como você lida com a morte?
Sempre tive medo da morte, desde menino. Acho que sou menos angustiado hoje do que quando era novo.
Não devia ser o contrário?
Claro que, sendo velho, vou viver muito menos do que já vivi. Acho que não é tão frequente os mais jovens terem menos medo da morte que os velhos. Não estou certo, mas acho que não é.
Sua insônia tem a ver com angústia?
Tem. Mas tem a ver também com uma animação. Dormir nunca foi fácil para mim. Desde criança, não queria dormir. Preferia acompanhar as conversas dos adultos, os programas de rádio... Não gosto de apagar, de parar de conversar, de viver, de ver filmes, pessoas, fazer coisas. Agora, isso também pode ser uma face da angústia, talvez você confunda sono com morte, ou uma coisa assim.
Com 20 e poucos anos, você escreveu que seu coração “não se cansa de ter esperança de um dia ser tudo o que quer”. Aos 66 anos, chegou lá?
Ainda não. Mas reitero que meu coração não se cansa.