Sérgio Ricardo
Adoro Sérgio Ricardo desde o final da adolescência. Principalmente "Este nosso olhar" e "Pernas" (que, para meu deslumbre, reouvi na voz de minha irmã Bethânia em seu show mais recente). João Gilberto cantava lindamente a primeira, mas não a gravou (e deixou de cantá-la cedo) por causa da palavra "veneno". Era uma recusa estética que soava como uma superstição. Nós conhecíamos (e amávamos) o Sérgio do LP "A Bossa Romântica de Sérgio Ricardo". Anos depois, ele estava cantando "Se entrega, Corisco" e "Manuel e Rosa viviam no sertão/Trabalhando a terra/Com as próprias mão/Até que um dia, pelo sim, pelo não/Entrou na vida deles/ O Santo Sebastião", e mais "Antônio das Mortes, matador de cangaceiro" e outros versos ao violão por trás das imagens de Deus e o Diabo na Terra do Sol, filme de Glauber Rocha, núcleo do átomo do Cinema Novo. Entre a bossa romântica e esses cantos épicos, estava João Gilberto, que foi quem levou Sérgio ao marxismo. Sem a intuição profunda (e o conselho) de João, talvez não tivéssemos "Zelão" nem "Beto bom de bola" nem "O diabo de Lampiao". As bossas e os sambas-canções do começo, no entanto, já bastariam para fazer de Sérgio Ricardo um gigante.
Caetano Veloso, 23/07/2020.