Walter Smetak (1974)
1 - A ideia de produzir um disco de Walter Smetak nasceu em mim no dia em que fiquei conhecendo a série de instrumentos que ele inventou e fabricou. É um conjunto tão extraordinário fascinante de objetos compostos com uma variedade de materiais que vai da cabaça ao isopor, é um mundo tão grande de sugestões plásticas e sonoras que me pareceu absolutamente necessário documentar o trabalho desse homem singular.
2 - Smetak vive em Salvador - Bahia há muitos anos. Eu já o conhecia de vista desde 1963: um curioso senhor sobre uma motocicleta, um músico entre os outros da Orquestra Sinfônica da Universidade. Em 1969, Gil e Rogério foram procurá-lo e desde então mantém contato permanente com ele. O flautista e compositor Tuzé Abreu já era, a essa altura, um frequentador da oficina do velho. Refiro-me aqui somente a alguns amigos muito próximos: muita gente na Bahia (e de fora) vem atentando há muito mais tempo para o trabalho de Smetak do que eu. Mas foram esses amigos que me levaram a entrar em contato com ele. Faço questão de frisar que Gil, Rogério e Tuzé são mais responsáveis do que eu pela existência do LP.
3 - A produção foi uma viagem. A espontaneidade de uma criança conduzindo uma meta sofisticada, Smetak cria dificuldades no plano prático que apontam sempre para veredas de elevação espiritual, de modo que o trabalho se dá numa corda bamba de delícia e de susto. Um outro amigo (produtor dos primeiros espetáculos que eu, Gal, Bethânia e Gil fizemos na Bahia), Roberto Santana, treinadíssimo em acabar qualquer 'cerca-lourenço' no grito, transformou a produção do disco numa produção e o disco num disco. Ele foi de fato quem produziu esse disco, tornando possível a transação material entre os instrumentos de Smetak e o equipamento de Maurice. Quanto a mim, na engrenagem dessa produção, me encontrei em algum lugar entre o sonho de Gil e os gritos de Roberto.
4 - A música de Smetak me estimula e eu acredito que deva ser do mesmo modo estimulante para tanta gente que, no Brasil, hoje, tem tantos interesses e preocupações semelhantes às minhas. Estou totalmente por fora dos problemas internos da música clássica de qualquer época. 'Porque este novo gênero que surge é uma fusão do Oriente e do Ocidente e não é erudita nem popular', disse Smetak falando de seu próprio trabalho e me parece sensato espalhar sementes de sonho por aí.
Caetano Veloso.
Contracapa do disco "Smetak", de Walter Smetak, Philips / Phonogram 1974.