Cartas de Paulo Leminski (1991)
Nas cartas que Paulo Leminski escreveu a Régis Bonvicino entre 1976 e 1981, pode-se ver de perto com que intensidade de alegria e sofrimento se desenrolou o drama de sua paixão pela poesia. Elas são uma amostra a um tempo entusiasmante e amedrontadora de como essas coisas se passam numa alma que quer ser franca consigo mesma. Para mim, a leitura dessas cartas foi uma experiência que me levou do enternecimento à exasperação. As lembranças tão vivas de nossos encontros em Curitiba realimentadas pelo registro que estes mereceram dele; a dificuldade de acompanhar sua angústia de pôr o Catatau na perspectiva de sua vida; a culpa por contribuir para que a música popular tivesse demasiado peso no seu universo de referências; o orgulho de ter visto na canção “Verdura" um luminoso exemplo de superação dos dilemas que ele se colocava a respeito de comunicação e rigor, superelite e supervárzea, poema e canção; tudo isso me fez passar de uma carta a outra com avidez, querendo acariciá-lo, querendo discutir com ele. Leminski foi o poeta mais apaixonado e o escritor mais intenso de sua geração e as cartas que compõem este livro são um outro modo de nos aproximarmos do entendimento de sua trajetória. Dos primeiros poemas em Invenção ao livro sobre Bashô, do Catatau às decisões caprichosas de relaxar, das canções caipiras ao Agora é que são elas (romance fascinante que é um anticlímax em relação ao Catatau, mas que parece ter de fato o interesse que Boris Schnaiderman aponta nele, em artigo também constante deste livro), Leminski viveu delícias e tormentos que procurou comunicar aos amigos e é bonito ver isso nas cartas a Régis.
Caetano Veloso.
Apresentação do livro de Paulo Leminski, Uma carta uma brasa através: cartas a Régis Bonvicino, 1976-1981 (correspondência). São Paulo, Iluminuras, 1991.