Filme e juventude (1961)
Depois de tanto tempo do seu lançamento, vimos, afinal, em Santo Amaro, o filme de Nicholas Ray, Juventude transviada (Rebel without a cause), obra que iniciou uma série de outras sobre o mesmo tema.
Pelo menos pelas outras fitas americanas que abordam o mesmo assunto esta não foi superada. É um filme muito bem realizado, tecnicamente impecável, contando com a direção segura de Nicholas Ray e a interpretação emocionada de James Dean, sem dúvida, uma das personalidades mais comoventes do cinema moderno. Contudo (embora seja este o filme que mais se aproximou da realidade), o problema da mocidade desesperada é visto superficialmente, demasiadamente esquematizado, simplificado ao máximo. E um mal que é de geração, que é coletivo, se reduz a casinhos domésticos nascidos de circunstâncias especiais. Existe realmente uma falta de coragem para estudar o problema a fundo e o filme resolve todo um complexo social com desfechos sentimentais.
Talvez quem dá maior dose de autenticidade ao drama é James Dean, que sabe tirar proveito de seu tipo físico, de uma beleza revolucionária (se podemos dizer assim), construindo um personagem em cuja expressão facial angustiada e cínica se encontra a revoltada denúncia que o filme não teve coragem de fazer: a denúncia contra uma sociedade burguesa decadente que causa, com sua falsidade moral e religiosa, todo o desespero ético e metafísico da geração nova. Os jovens estão desamparados, crescendo em meio a uma sociedade que lhes ensina uma verdade que ela não possui, que lhes exige uma moral em que ela intimamente não crê. Tudo não pode ser resumido a certos lares infelizes, a pais que não têm tempo de beijar os filhos nem a meninos "naturalmente rebeldes". Sua rebeldia não é sem causa: o moço não crê nos valores acadêmicos que lhe foram ensinados como verdadeiros porque ele já os sabe falsos e não encontra apoio em novos valores porque estes ele ainda não conhece. A burguesia não tem força moral para exigir nada dos jovens que a desprezam. Enquanto ela era sinceramente errada, sinceramente errados nasciam os seus filhos, agora ela é falsamente "boazinha", os jovens não crêem nela nem em si mesmos.
Caetano Veloso.
O ARCHOTE, No 11, SANTO AMARO, BAHIA, 20 DE SETEMBRO DE 1961.