Humberto, França e Bahia (1962)
Embora vivendo nesta cidade tão próxima a Salvador, a maioria de nós não sabe que a capital da Bahia está se tornando o centro cinematográfico do Brasil. Não só pela existência de um Clube de Cinema que promove estágios culturais, cinematográficos e festivais retrospectivos, mas também, e principalmente, pelo trabalho de uma equipe de jovens cineastas, produtores, atores e iluminadores que estão realizando, aqui na Bahia, a despeito de tudo, o renascimento do cinema nacional.
Filmes como A grande feira, Festival de areias, O pátio, Rampa, Barravento provam a existência de uma atividade surpreendente e (o que é mais importante) de uma consciência artística e social em formação. Nomes como os dos realizadores Roberto Pires e Glauber Rocha, dos produtores Rex Schindler, Braga Netto e Davi Singer, dos atores Helena Ignêz, Antônio Sampaio, Geraldo D'el Rey e Luiza Maranhão estão intimamente ligados à História do Cinema Brasileiro. Outro nome, o de Walter da Silveira (embora ele não apareça como diretor, produtor ou fotógrafo, e como ator apenas casualmente) não deve ser esquecido. Porque se tudo isso existe, se há um Glauber, uma Iglu, um Orlando Senna, tudo isso se deve a Walter da Silveira, que trouxe a cultura cinematográfica para a Bahia. Ainda há pouco, e com muita importância para nós, estudantes de cinema, jovens críticos e realizadores, o Clube de Cinema, que ele dirige, promoveu um festival retrospectivo do cinema francês onde foram exibidos filmes desde os primitivos Lumière e Meliès até os modernos (e geniais) documentários de Alain Resnais, passando pelas belíssimas comédias de René Clair.
Atualmente está se realizando um estágio para dirigentes de cineclubes, durante o qual está sendo exibida, para estudo, uma série de filmes do cineasta brasileiro de valor universal - Humberto Mauro. Mauro era, praticamente, desconhecido até que Alex Viany passou a estudá-lo. Toda a curiosidade em torno do seu nome e da sua obra foi despertada quando o francês Georges Sadoul (o maior historiador do Cinema), vindo ao Brasil e interessando-se pela sua obra, considera-o um dos cem cineastas mais importantes de todos os tempos, em todo o universo. Conhecer o cinema de Humberto Mauro é uma experiência inteiramente nova para um brasileiro, sua obra é uma obra em que por trás do amor a um certo regionalismo se esconde um cinema (onde a marca de Griffith é, às vezes, encontrada) muito pessoal, que possui características estranhas e possibilidades universais que fazem do cinema de Humberto Mauro o melhor do Brasil.
Sem dúvida, conhecer a obra de um cineasta como esse é algo de importância substancial para a crítica baiana e mormente para os realizadores baianos que lutam por construir o cinema brasileiro, mas que estão sem alicerces porque nós não possuímos uma tradição cinematográfica.
Caetano Veloso.
ARCHOTE, No 16. SANTO AMARO, BAHIA, 4 DE MARÇO DE 1962.