Os grandes do momento (1962)

Depois de um período pouco profícuo, o cinema mundial volta à velha moda da obra-prima, com o surgimento de novos realizadores geniais (como Alain Resnais e François Truffaut) e com o retorno, em grande forma, de "velhos" imensos (como Visconti e Rossellini).

Se o estrondoso “renascimento" tem como centro a Itália, de onde saiu a maior parte dos grandes filmes, a França (que possui uma bela tradição cinematográfica) segue-a de perto, com alguns moços "cobras", que, em meio à tremenda balbúrdia de nouvelle vague, realizaram fitas fabulosas.

Muitas dessas obras do grande cinema moderno já foram exibidas no Brasil e algumas na Bahia. Dos que vimos, escolhemos os cinco grandes, que são: A doce vida - Federico Fellini, depois de ter surpreendido o mundo com I vitelloni e, em maior escala, La strada, escandaliza-nos, agora, com o seu A doce vida, filme tremendamente bem realizado e que se tornou, desde o seu lançamento em Cannes, onde foi premiado, um mito.

Mas, por baixo do choque e do escândalo, esconde-se uma obra forte, terrivelmente pessimista, que traz a visão felliniana do mundo com maior largueza e profundidade que nunca. Aqui Fellini lança o olhar para o comportamento das classes de nossa sociedade, e se aterroriza diante da morte da burguesia. O Cristo é a sua meta e a moral cristã esmagada é a sua dor. A angústia metafísica tem culpa sobre o comportamento social. Mas ele não sabe que a formação social produz a angústia. Ele sente que a única solução seria uma volta à pureza cristã, mas sabe o Cristo já não preencheria o caos interior de cada homem.

Para ele, não há solução. Seu filme não chega a conclusões e ele não tem esperanças; mas experimenta, com assustadora profundidade, a angústia do homem em nosso tempo e fez o seu estudo em grande linguagem. Hiroshima, meu amor - o filme de Alain Resnais, o jovem francês que veio de uma carreira de curtas-metragens geniais, é, antes de tudo, uma revolução estética no cinema.

Traz para o filme as experiências antes feitas em literatura, utilizando, para isso, a teoria eisensteiniana da montagem como recriação do monólogo interior. A palavra (o grande problema do cinema sonoro) em Resnais entra como elemento integrante de uma unidade raramente conseguida em cinema. O valor do poema de Marguerite Duras (o texto do filme) não pode ser medido em separado, desde que a palavra e a imagem em Hiroshima se completam, sublinhadas pela música, num todo funcional indissolúvel.

Essa é a técnica que Resnais utiliza para a recriação do drama subjetivo de sua personagem, que desce às profundezas filosóficas do estudo da memória humana. O drama da lembrança e do esquecimento da morte.

A aventura - a visão de Michelangelo Antonioni do que seja cinema é personalíssima. Eis por que seus filmes são inteiramente diferentes. Ele vem do período despojado do neo-realismo e é a partir do estilo simples que chega à realização de filmes trabalhados com o cuidado da mais fina inteligência.

Ele não é retórico como Fellini e seu filme não tenta dizer algo que não pode. Apenas olha o homem. Não cria histórias, como Visconti, para dizer o que pensa do momento atual. A aventura não é senão uma situação. Mas o seu olhar sobre o homem é tão agudo, sua análise é tão objetiva que cada gesto, cada olhar, cada palavra num filme seu levam até onde Visconti chegou através de lúcida dialética. A aventura é um pequeno drama entre personagens de nosso tempo, cujas reações, cujos comportamentos psicológicos são a marca do homem atual, são a revelação do seu modo de sentir, de pensar, são o desnudamento de seus problemas.

De crápula a herói - o último filme de Roberto Rossellini é uma obra que ainda traz aquela simplicidade estilística do neo-realismo, embora já não seja realizado com a "câmera na mão". Aqui Rossellini cria um belíssimo drama humano, partindo de um estudo da transformação dos sentimentos, pela guerra. Quando seu personagem, depois de ter passado por ser o "Generale Delia Rovere", um general da resistência italiana, sendo um crápula consumado, pratica, ao final, um último ato heróico, não existe apenas a necessidade “mística" do heroísmo, mas a exigência da solidariedade humana, a necessidade do companheirismo.

Rocco e seus irmãos - o filme de Luchino Visconti é, em nossa opinião, o maior dos grandes filmes modernos. A objetividade com que encara os problemas do homem atual, discutindo dialeticamente o seu drama social, faz dessa obra, magnificamente bem realizada, um dos maiores acontecimentos artísticos do mundo moderno. Criando um drama humano de força incrível, Visconti estuda a decadência do homem premido pela sociedade burguesa, a alienação, a consciência e o engajamento.

Mas não se desespera diante da impossibilidade da bondade e do amor em nossos dias: ele espera e trabalha por um mundo onde o homem se reencontre nas suas melhores qualidades.

Caetano Veloso.

O ARCHOTE, No 17, SANTO AMARO, BAHIA, 11 DE MAIO DE 1962.

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