Sem Samba Não Dá (Caetano Veloso)

Olho pro Cristo ali no Corcovado
E, em silêncio, grito "êpa Babá"
Tudo esquisito, tudo muito errado
Mas a gente chega lá
Tem muito atrito, treta, tem muamba
Mas tem sertanejo, trap, pagodão
Anavitória, doce beijo d'onça
Mar(av)ilia Mendonça, afinação
Vai chegando que a gente vai chegar
Về se rola, se tudo vai rolar
Só que sem samba não dá
(Tem sambanejo ou pagobrejo
Tem Ferrugem, Glória Groove, Maiara e Maraísa
Yoùn, Yoùn,
Tem Djonga com Rogério,
MC Cabelinho, tem Baco Exu do Blues
Tem gente pra xuxu
Tem Duda Beat, Gabriel do Borel, Hiran e Majur,
Tz da Coronel,
Tem Simone e Simaria sambando,
Tem Leo Santana e a Mendonça
(No Pelourinho com a Didá)
Sem samba não dá
Sem samba não dá.

© 2021 Uns Produções / Sony Music - Álbum Meu Coco - Caetano Veloso.

Comentário do autor: "Pretinho da Serrinha perguntou se não ia ter um samba no disco. Aí fiz um pra ele. O título diz tudo: sem samba não dá. E Pretinho veio com sua turma fazer o melhor samba de estúdio que pode existir. Nomes de figuras da música de hoje no Brasil vêm surgindo debaixo do refrão. Tudo o que veio espontaneamente ao meu coco." (Caetano Veloso para o storyline do Spotify, 2021).

"Pretinho (da Serrinha) disse: 'Não vai ter samba no disco?'. Pensei 'Sem samba não dá'. E fiz. Quis fazer um com sanfona do Mestrinho para ficar meio sambanejo. A própria melodia, as mudanças harmônicas, têm a ver um pouco com algumas coisas de samba modificado que tenho visto no 'TVZ' (programas de clipes musicais do Multishow). E também muitas coisas que o Zeca me mostra. Ele é meu grande conselheiro. Antes de fazer o disco, tive muitas conversas com ele sobre o jeito em que sonhava fazer. E ele me mostrava muitos exemplos tanto de coisas estrangeiras como brasileiras, lembranças de coisas antigas e apresentação de coisas muito novas. Tem uma porção de gente que cito que conheci por causa de Zeca: MC Cabelinho, TZ da Coronel, Gabriel do Borel. E outras que conheci vendo 'TVZ'." (Caetano Veloso para o Jornal O Globo, 2021).

"Vejo muito TVZ no Multishow. Ouço funk e trap e sertanejos também com Zeca no smartphone dele. Ao escrever Sem samba não dá para Pretinho da Serrinha (ele tinha me perguntado se não haveria um samba no meu novo disco), deixei os nomes virem à cabeça sem pensar antes. Sou tropicalista. Em 1967 comecei a precisar detectar os sinais de vitalidade que viessem da cultura de massas e lutei contra o preconceito contra áreas de expressão que eram desqualificadas por julgadores sub-sofisticados. O que me chamou a atenção ao ouvir a lista que canto foi que, entre os sertanejos, preferi as mulheres. Não que eu não admire algumas duplas masculinas (e que Zeca não me mostre coisas fascinantes cantadas por homens), mas, deixando a cabeça solta, foram as mulheres que se impuseram. Mas o disco como um todo não celebra só o que aparece no TVZ: Thiago Amud e Chico Buarque são cruciais. Um é citado apenas na ficha técnica da canção que abre o disco; o outro, em algumas canções. Mas tem que se saber deles pra se entender a presença de Glória Groove ou Duda Beat. Bem, adoro que Simone e Simaria sejam baianas. Canção tem mesmo a ver com quantidade e intensidade." (Caetano Veloso para o UOL, 2021).

"Fiz o samba pra Pretinho da Serrinha, que tinha me perguntado se no novo disco não haveria um samba pra ele tocar. Mas fui direto para as proximidades do sambanejo e do pagode pós-moderno. Acordeon, tom alto, modulações harmônicas surprendentes sob melodia de intervalos repetidos, até cair num refrão bem tradicional, quase samba-de-roda, raiz. É um comentário geral sobre o que se vem fazendo com o samba hoje. Pretinho sacou logo." (Caetano Veloso para a IstoÉ, 2021).

"Pretinho da Serrinha falou assim: "E um samba? Não vai ter um samba pra gente tocar?". Aí eu fiz um samba e pedi que chamasse a turma dele, com quem ele gosta de tocar. Ele sabe que, pra mim, é o que há de melhor em gravação de samba no estúdio, Pretinho da Serrinha é um tesouro nacional. Aí chamei Mestrinho pra tocar acordeon, porque tem um pouco desse samba que a gente ouve hoje, que é meio samba e meio sertanejo. Sambanejo, né? Aí inventei a palavra "pagobrejo". Botei lá e ficou bacana. É muito diferente das outras faixas do disco, é a única que tem uma banda de samba tocando". (Caetano Veloso para a Revista Noize, 2023).

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