La Strada (1992)

Eu vi 'La Strada' quando tinha 15 anos e foi um acontecimento pra mim. Um impacto incrível. Minha mãe ficou impressionada, ficou preocupada porque eu chorei o dia inteiro.

Domingo tinha matinal. Eu adorava ir aos domingos, às dez da manhã, ver os filmes. E eu vi 'La Strada' às dez da manhã e fiquei chapado, fiquei ultra-impressionado. Cheguei em casa estranho, diferente. Fui para o fundo do quintal, chorando, não quis comer.

Esse filme para mim teve um impacto enorme, é uma impressão indescritível. Eu tenho hoje ele em vídeo. De fato, ainda hoje me parece absolutamente maravilhoso, embora tenha muitas ingenuidades... Mas é um filme bem completo, menos perfeito que 'Noites de Cabíria', que para mim é o melhor filme de Fellini.

Eu tenho a impressão que o final é que deixa a gente assim... Porque a gente não esquece nunca a Gelsomina, aquela cara da Giulietta Masina. Ela está melhor em 'Noites de Cabíria'. Em 'La Strada", Fellini quase não deixa ela representar ou não pediu a ela que representasse. Mas ela está ali e ela lhe toca. Mas o personagem do Zampano, parece que durante o filme inteiro ele não olha nunca para o céu. Eu já revi o filme muitas vezes, não verifiquei se de fato ele não olha, mas a impressão que dá, no final, quando vem aquela culpa e aquela coisa diferente nele, é que ele olha para o céu pela primeira vez.

Aquilo teve um impacto sobre mim enorme e toda vez que eu revejo eu acho isso lindo. Parece que 'La Strada' é um filme sobre um homem que nunca tinha olhado para o céu e que, ao final, ele termina tendo que olhar para o céu e aquilo muda a dimensão das coisas para ele. Então, esse é um dos meus filmes favoritos.

Caetano Veloso.
Folha de S.Paulo, 9 de agosto de 1992.

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