Maria Bethânia e Caetano Veloso comemoram show histórico em Fortaleza: ‘Uma alegria pra nós’

Entrevista para o Diário do Nordeste (16 de novembro de 2024)

Por Diego Barbosa

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Foto: @roncca

Surgirão de mansinho, entre instrumentos e cortinas. Olharão um para o outro ou apenas avançarão pelo palco, naquele silêncio de quem sabe o que faz. Microfone ligado, banda preparada, eis a hora: Caetano Veloso e Maria Bethânia conduzem a própria música aos quatro cantos da Arena Castelão neste sábado (16), em show histórico.

São mais de 40 anos desde que cantaram juntos nesse mesmo formato pela primeira vez. “Agora voltamos”, festeja Bethânia em entrevista ao Verso. “Eu me sinto muito bem, muito feliz. Pra mim é uma alegria”. Caetano segue o fluxo. Diz-se iluminado. “Adoro estar com Bethânia ali. As plateias nos enaltecem muito. A essa altura não pensava que fosse viver uma coisa assim”.

O mote para embarcar em turnê vem de gestos simples, embora não menos importantes. Recai primeiro numa admiração mútua entre os irmãos, naquilo que construíram enquanto artistas e humanos. Depois, no que são capazes de evocar quando não estão separados, num alinhamento comovente. As plateias sentem, comemoram, anseiam.

E eles brindam também. “Cantor sem público não existe. Simplesmente isso. Não tem sentido, não tem razão de ser, então o público tem a maior importância, total importância. Por isso que quando acentuo que o público tem sido extraordinário e tem cantado todo o repertório, isso é o maior presente que podemos receber”, demarca Bethânia.

Foto: @roncca

A julgar pela setlist dos outros shows – da estreia no Rio de Janeiro, em agosto passado, até a mais recente apresentação, em Brasília – Fortaleza será mais um destino que entoará o repertório de cabo a rabo. “Alegria, alegria”, “Oração ao Tempo”, “Brincar de Viver”, “Reconvexo” e outras tantas protagonizarão instantes de elevação da alma.

Caetano encara esse doar-se da multidão como resistência. “O fato de tanta gente dar, com sinceridade, tanta importância ao que vimos fazendo na História da canção brasileira mostra que há forças no país que parecem sufocadas, mas que não morrerão”.

Surpresas em Fortaleza

Antes de aportar no Ceará, o show da dupla em outras cidades homenageou o cancioneiro local em algum momento da apresentação, automaticamente tornando-se uma das partes mais esperadas em cada lugar. Em Belém (PA), por exemplo, interpretaram “Voando Pro Pará”, de Joelma; em Brasília, numa alusão à geografia, foi “Flor do Cerrado”, de Caetano e Gal.

Em Fortaleza, asseguram, haverá também. Se Caetano é direto na resposta – “Vamos ver” –, Bethânia se alonga. “Isso não foi uma coisa pensada quando estreamos. Não foi uma coisa mantida como repertório, em tal lugar cantaremos isso ou aquilo. Mas, de lá pra cá, as pessoas pedem: ‘Ah, já que fez em Belém, faz também aqui’, com razão”, diz.

Foto: @roncca

“Pra nós é uma alegria. Em Fortaleza certamente faremos alguma coisa de grande nobreza, afinal temos um dos maiores compositores do Brasil nascido aí, o Humberto Teixeira. Então faremos alguma coisa. Não sei ainda porque temos outra cidade na frente”.

E se a questão for memórias da Capital, a intérprete de “Cheiro de amor” recorda sobretudo do mar. Confessa estar viajando pouco – logo, com longo hiato desde que veio para cá pela última vez. Mas celebra o fato de desembarcar novamente aqui, e em ocasião tão especial. A escolha pelo Ceará, revela, é de outra ordem. Ultrapassa ela e Caetano.

Foto: @roncca

“É uma coisa mais ligada à produção do espetáculo do que propriamente dos cantores, os intérpretes, Caetano e eu. Fortaleza entrou, e foi uma alegria pra nós”. O irmão reforça: “Para mim, Fortaleza sempre foi um importante objeto de atenção. É uma cidade que soube crescer a seu modo, sendo das capitais brasileiras a que mais mostra vocação para o moderno”.

Exaltar os ídolos

Cearense acostumado a estar com Caetano e Bethânia nos ouvidos – e, em alguns momentos, até cara a cara com os ídolos – Felipe Caetano, 31, foi além de simples admiração pelos dois e por outros cânones da MPB. Desde 2017, mantém nas redes sociais o perfil “Tropicália Viva”, com 201 mil seguidores até o fechamento desta edição.

O lançamento da página foi em tributo ao cinquentenário do movimento tropicalista, e ocorreu a partir da provocação de uma professora, a pesquisadora Marilda Santanna, durante uma aula no Bacharelado Interdisciplinar em Artes da Universidade Federal da Bahia.

“Eu estava cursando essa graduação e, ao se referir à Tropicália, ela questionou como um movimento musical popular se transformou em um assunto tão restrito aos muros acadêmicos, e qual seria a melhor forma de ‘quebrar essa parede’”, conta Felipe.

No início apenas alunos da disciplina seguiam o perfil. Com menos de dois meses, as próprias figuras homenageadas, a exemplo de Caetano Veloso e Gal Costa, começaram a fazer o mesmo movimento. Mais: viviam repostando o conteúdo, o que foi essencial para que o público fosse ampliado para várias regiões do Brasil e do mundo.

Foto: Arquivo pessoal

“O grande objetivo da página é justamente ser essa fonte que gere identificação e interesse para, assim, resgatar a importância histórica da cultura e da arte brasileira. O cronograma geral de postagens gira em torno dos eixos Memória, Obras, Entrevistas e Atualidades. Resgato datas históricas e comemorativas para que as pessoas possam entender a influência da Tropicália nesses momentos”.

Tropicalistas em carne e arte

Quanto a Caetano e Bethânia, Felipe poetiza: dedica grande parte não apenas da página, mas da própria vida aos irmãos que cantam o Brasil. Maria Bethânia, segundo ele, sempre foi meio avessa a movimentos, e se recusou a participar da Tropicália – ao mesmo tempo em que é uma força motriz que fez o movimento nascer.

Foi Bethânia quem soprou nos ouvidos de Caetano o vigor da Jovem Guarda; ela quem fez o movimento ir para o Sudeste quando aceitou substituir Nara Leão no musical “Opinião”; é quem também lançou Gal Costa no LP de 1965 a partir da parceria de “Sol Negro”; e é quem interpretou “É de Manhã”, canção que lança os holofotes em Caetano. “Para mim, Bethânia é o barro que molda a tropicália”, diz o pesquisador e social media.

Foto: Arquivo pessoal

“Já Caetano Veloso é quem organiza o movimento, orienta o carnaval. Ele age, enquanto Gilberto Gil captura tudo o que acontece no Brasil e no mundo com sua antena afiada. A coragem de Caetano e Gil ao encabeçar o movimento tropicalista em plena ditadura militar acabou custando a prisão e o exílio para os dois. Só que essa coragem também os levou a serem eternos ainda em vida. São nossos imortais”.

Não à toa, o orgulho em ser fã dos irmãos e a satisfação de pesquisá-los diariamente, levando a arte de ambos para ainda mais pessoas por meio das redes sociais. No show em Fortaleza, isso ficará ainda mais evidente, claro. “Estou mais confirmado que o palco nesse show”, gargalha. “É um momento que espero com muita alegria e uma pitada de ansiedade”.

Felipe teve a oportunidade de assistir à estreia no Rio de Janeiro. Assistir em casa, porém, ao lado dos seus, é experiência totalmente única. “O melhor de tudo é ver Maria Bethânia retornar ao Ceará depois de tanto tempo sem fazer shows por aqui. Além dos aplausos do público, ainda vai sair de Fortaleza como Doutora Honoris Causa pela UFC”, lembra.

“Minha grande expectativa para o show é ter quase certeza que eles estão preparando um momento especial para homenagear a nossa cultura local. Acho que é essa surpresa que vai arrebatar todo o público. Vamos ver duas lendas da música brasileira ali no palco, a história recente do nosso país contada pelas vozes e mentes que ajudaram a construí-la. A Tropicália continua viva e seu pulso ainda pulsa”.

Desafios e o que está por vir

Tão vivíssima quanto, Bethânia exalta as “alegrias imensas, inesquecíveis, surpreendentes muitas vezes” diante da turnê que segue fim de ano adentro até encerrar entre fevereiro e março de 2025. “O público cantando o repertório inteiro é o maior abraço, o maior cumprimento que podemos receber. Agradecemos de coração. Isso é a coisa mais bonita”.

Quanto aos desafios, é Caetano quem elenca: “São mais físicos: as diferentes condições de acústica das arenas, o fato de nunca antes termos feito shows em estádios e a nossa (sobretudo a minha) idade. Já as alegrias vêm da receptividade dos públicos, da força com que eles mostram acreditar num Brasil muito melhor”.

Foto: @roncca

Numa perspectiva ou outra, tudo é político. Subir ao palco para dizer algo já é um posicionamento. Em um show fincado em raízes da Música Popular Brasileira, defendem os irmãos, isso é ainda melhor posicionado. “As canções que cantamos, em geral escolhidas por Bethânia, enfatizam muito esse aspecto. Basicamente é uma ideia de Brasil que hoje parece esmagada, mas ressurge em nossas vozes e nossas imagens”.

A prosa finaliza sobre os planos para depois da turnê. O retorno é rápido, direto e carinhoso. “Sabemos que quaisquer que sejam os próximos projetos, o público estará conosco sempre”.

Serviço
Turnê Caetano & Bethânia, em Fortaleza
Neste sábado (16) na Arena Castelão (Av. Alberto Craveiro, 2901 - Castelão). Abertura dos portões: 18h. Horário do show: 21h. Classificação: 16 anos. Bilheteria oficial: Shopping RioMar Fortaleza – Loja Lenita, Piso L2 (Rua Des. Lauro Nogueira, 1500 – Papicu)


Leia, na íntegra, a entrevista concedida ao Verso


Verso: O que o desejo de sair pelo Brasil cantando um ao lado do outro diz sobre a parceria de vocês e o atual estado de vida e de arte de cada um? Como se sentem ao dividir o palco?

Maria Bethânia: Eu me sinto muito bem, muito feliz. Pra mim é uma alegria, há mais de 40 anos fizemos o show juntos e agora voltamos, quisemos cantar juntos mais uma vez. A nossa parceria se deve pela nossa grande admiração pelo cancioneiro e pela música popular brasileira e por nossa admiração mútua. A obra de Caetano é uma obra deslumbrante, falo como intérprete da música popular brasileira. É um prazer imenso, uma alegria, uma honra pra mim.

Caetano Veloso: Eu me sinto iluminado pelo nosso histórico. Adoro estar com Bethânia ali. As plateias nos enaltece muito. A essa altura não pensava que fosse viver uma coisa assim.

V: Antes de passar por Fortaleza, o show nas outras cidades trouxe vocês cantando músicas típicas dos próprios lugares onde estavam. Aqui vai acontecer o mesmo? O que podemos esperar nesse sentido?

Bethânia: Pois é! Isso não foi uma coisa pensada quando estreamos. Não foi uma coisa mantida como repertório, em tal lugar cantaremos isso ou aquilo. Não foi pensado. Em Belém tivemos a ideia de fazer um pequeno trecho [de “Voando Pro Pará] por ser uma música no bis, na hora do bis, que é uma música muito alegre, muito feliz e ao mesmo tempo homenageando a cidade e seus filhos. De lá pra cá, as pessoas pedem: “ah, já que fez em Belém, faz também aqui”, com razão. Pra nós é uma alegria. Em Fortaleza certamente faremos alguma coisa de grande nobreza, afinal, temos um dos maiores compositores do Brasil nascido aí, que é Humberto Teixeira. Então faremos alguma coisa, não sei ainda porque temos outra cidade na frente.

Caetano: Vamos ver.

V: A vontade de cantar em parceria no palco evocando a brasilidade também é um gesto político? Como enxergam esse gesto?

Bethânia: Subir no palco já é um gesto político, já é uma situação política! A postura é política. Você sobe no palco pra dizer alguma coisa pra alguém ouvir e isso já é um posicionamento. E nesse show certamente que tem raiz na música popular brasileira, isso está muito bem demonstrado.

Caetano: Eu sinto que o mero fato de estarmos juntos no palco tem um sentido político. As canções que cantamos, em geral escolhidas por Bethânia, enfatizam muito esse aspecto. Basicamente é uma ideia de Brasil que hoje parece esmagada mas ressurge em nossas vozes e nossas imagens.

V: Quais memórias vocês têm de Fortaleza? Por que a cidade entrou no radar da turnê? Musicalmente falando, o que a capital cearense evoca para vocês?

Bethânia: Me lembro muito do mar aí em Fortaleza. Tem muito tempo que eu não vou, tenho viajado pouco, mas é comovente pra mim. Agora, a escolha de onde fazer o show é uma coisa mais ligada à produção do espetáculo do que propriamente dos cantores, os intérpretes, Caetano e eu. Fortaleza entrou e foi uma alegria pra nós.

Caetano: Para mim, Fortaleza sempre foi um importante objeto de atenção. É uma cidade que soube crescer a seu modo, sendo das capitais brasileiras a que mais mostra vocação para o moderno.

V: Diante do que estão vivenciando na estrada a partir dos shows, quais os desafios e quais as alegrias de realizar uma empreitada dessa magnitude?

Bethânia: Alegrias imensas, inesquecíveis, surpreendentes muitas vezes. Muito público! O público cantando o repertório inteiro praticamente e isso é o maior abraço, o maior cumprimento que podemos receber. E agradecemos de coração. Isso é a coisa mais bonita!

Caetano: Os desafios são mais físicos: as diferentes condições de acústica das arenas, o fato de nunca antes termos feito shows em estádios - e a nossa (sobretudo a minha) idade. As alegrias vêm da receptividade dos públicos, da força com que eles mostram acreditar num Brasil muito melhor.

V: Por fim, como mensurar a importância de reunir tanta gente, estádios lotados, em prol da música e da cultura? O que o público representa para vocês?

Bethânia: Cantor sem público não existe. Simplesmente isso. Não tem sentido, não tem razão de ser, então o público tem a maior importância, total importância. Por isso que quando eu acentuo que o público tem sido extraordinário e tem cantado todo o repertório, isso é o maior presente que podemos receber. De nossa estreia no Rio de Janeiro em agosto passado ao nosso show de encerramento a ser realizado em Porto Alegre em 22 de março de 2025, o público foi, é e sempre será o motor das nossas apresentações.

Caetano: Como eu já disse, as plateias são o essencial nessa turnê. O fato de tanta gente dar, com sinceridade, tanta importância ao que vimos fazendo na história da canção brasileira mostra que há forças no país que parecem sufocadas mas que não morrerão. Nossa turnê se encerra completamente nos meses de fevereiro e março de 2025, mas sabemos que quaisquer que sejam os próximos projetos, o público estará conosco sempre.

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