Quem viu Maria Bethânia (1965)

Quem viu Maria Bethania aparecer de repente na noite de um Rio triste na preparação do carnaval; quem assistiu o seu corpo gritar por um carnaval maior; compreenderá que êste disco é um acontecimento importante: o início da divulgação em larga escala do trabalho de um artista intenso e urgente, como têm sido os grandes novos artistas brasileiros.

Quem, na Bahia, ouviu Bethania prometer-se cantar como se todo o povo brasileiro cantasse junto ("sou filha de Caymmi como todo baiano; aluna de Jobim e João Gilberto, como qualquer nôvo sambista; mas sou também irmã de Noel e de Zé Kéti e minha vocação é o carnaval."), quem cantou com ela e esteve a seu lado no momento da escolha dos caminhos, verá com amor e cuidado que, irremediavelmente, sôbre as costas da irmã já pesam as coisas grandes para as quais ela mal se preparara: dar de volta ao Brasil o samba que aprendera com seu povo; ser fiel às côres e dores da Bahia; salvar o carnaval.

Quem, mais longe, viu Bethania nascer em Santo Amaro da Purificação (contra cuja resignação de cidade outora próspera ela se lançará, primeiro por molequeiras e peladas, depois pela extravagância das roupas e pinturas) quem a viu redescobrir, nas festas de rua de Salvador, os sambas de roda que ela aprendera, desatenta, em Santo Amaro ouve comovido os sambas que Bethania ajudou nascer na Bahia; ao lado da antologia que compõe a sua formação de sambista.

Caetano Veloso, 1965.
Texto de contracapa do disco 'Maria Bethânia', lançado em 1965. 


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