Não Enche (Caetano Veloso)
Me larga, não enche
Você não entende nada e eu não vou
te fazer entender
Me encara, de frente:
É que você nunca quis ver,
não vai querer, não vai ver
Meu lado, meu jeito,
O que eu herdei de minha gente e
nunca posso perder
Me larga, não enche,
Me deixa viver, me deixa viver,
me deixa viver, me deixa viver
Cuidado, oxente!
Está no meu querer poder fazer você desabar
Do salto. Nem tente
Manter as coisas como estão porque não dá,
não vai dar.
Quadrada, demente,
A melodia do meu samba põe você no lugar
Me larga, não enche
Me deixa cantar, me deixa cantar,
me deixa cantar, me deixa cantar
Eu vou
Clarificar
A minha voz
Gritando: nada mais de nós!
Mando meu bando anunciar:
Vou me livrar de você.
Harpia, aranha
Sabedoria de rapina e de enredar, de enredar
Perua, piranha,
Minha energia é que mantém você suspensa no ar
Pra rua!, se manda!
Sai do meu sangue, sanguessuga,
que só sabe sugar
Pirata, malandra,
Me deixa gozar, me deixa gozar,
me deixa gozar, me deixa gozar.
Vagaba, vampira,
O velho esquema desmorona desta vez pra valer
Tarada, mesquinha,
Pensa que é a dona e eu lhe pergunto:
quem lhe deu tanto axé?
À-toa, vadia,
Começa uma outra história aqui na luz deste dia "D":
Na boa, na minha,
Eu vou viver dez,
Eu vou viver cem,
Eu vou vou viver mil,
Eu vou viver sem você.
Comentário do autor: "Eu acho muito bacana. Eu digo que é uma oração que todos os homens devem rezar de manhã, em jejum." (Caetano Veloso no Programa Livre, 1997).
"Nunca havia feito uma canção assim. Não creio que existam no repertório de muitos artistas, salvo Leonard Cohen e Bob Dylan. Neste sentido, posso dizer que é uma canção única. Investiguei em minha própria raiva e imaginei as piores coisas que poderia dizer, mas não consegui. No momento de terminar o disco, tinha a música feita, os arranjos gravados, mas me faltava a letra. O que eu fiz? Pedi ajuda para Paula, minha esposa. Ela me trouxe um insulto a mais, uma palavra de origem síria, 'vagaba', que significa algo pior que vagabunda, é uma forma mais vulgar de dizer. Foi irônico ter que recorrer a sua mulher para saber como insultá-las. Vou revelar que, quando fiquei sem insultos, pensei nos jornalistas e novos insultos surgiram." (Caetano Veloso para o Jornal Página/12, 1998).