Odeio (Caetano Veloso)

Veio um golfinho do meio do mar roxo
Veio sorrindo pra mim
Hoje o sol veio vermelho como um rosto
Vênus, diamante, jasmim
Veio enfim o e-mail de alguém

Veio a maior cornucópia de mulheres
Todas mucosas pra mim
O mar se abriu pelo meio dos prazeres
Dunas de ouro e marfim
Foi assim, é assim, mas assim é demais também

Odeio você, odeio você, odeio você
Odeio

Veio um garoto do arraial do cabo
Belo como um serafim
Forte e feliz feito um deus, feito um diabo
Veio dizendo que sim
Só eu, velho, sou feio e ninguém

Veio e não veio quem eu desejaria
Se dependesse de mim
São Paulo em cheio nas luzes da Bahia
Tudo de bom e ruim
Era o fim, é o fim, mas o fim é demais também

Odeio você, odeio você, odeio você
Odeio

© 2006 Uns Produções Artísticas Ltda. (Natasha Enterprises) - Álbum Cê - Caetano Veloso.

Comentário do autor: "Se você sofre uma perda amorosa e o mar está violentamente azul, e o sol, e as pessoas que passam são bonitas, isso dói muito mais. O único jeito de você lembrar daquela pessoa que você ama, e a intensidade de amor real, é poder sentir que odeia aquela pessoa na exuberância das outras coisas. As imagens que me vinham eram as de Fernando de Noronha onde tinha estado dois anos antes de me separar. E me lembro de lá como um dos lugares mais deslumbrantes da minha vida. Eu não estava lá [quando fez a música], mas meus dois filhos menores e minha ex-mulher estavam. E eu fiquei pensando nisso. Na verdade, me coloquei no lugar deles, porque eu é que não estava com eles. Não era eu odiando alguém. Entendeu como é o processo? É muito indireto, jamais faria um negócio agressivo diretamente para uma pessoa, tornando público, como se fosse uma briga. Nesse ponto, a Paulinha sabe, ela é muito esperta para saber a distância entre uma canção e a vida. [Ainda sobre esse assunto, Caetano conta que, quando mostrou, ao violão, a canção Odeio a Jorge Mautner, este teve uma crise de choro]. Depois, quando mostrei já gravada, ele chorava mais ainda. Mautner acha bonito que, na hora que entra no refrão dizendo ‘odeio você’, a canção, em vez de subir, desça e fique mais próxima, mais terna. Então ele dizia: "A gente sabe que dizer ‘odeio você’ é a maneira mais próxima de dizer ‘amo você’. Parece um carinho". Ele chorava lágrimas. E, na verdade, Jorge tem razão. Quando fiz a música, pensava justamente em como esses sentimentos de amor se convertem em ódio com muita facilidade. É o avesso da mesma fazenda. E a gente sabe disso, todo mundo sabe, mas nesse período eu pensava muito nisso, e sentia. Ou melhor, eu próprio não sentia isso, estava imaginando o que se sente, porque quando você tem briga de amor, tem muitas raivas. Mas não era o caso no período dessa música, não era isso. Estava pensando em como acontece isso com as pessoas, e não estava sentindo tanto assim em mim. Achava que o fato de haver tanto amor e estar desfazendo, que aquilo criava uma maneira de dizer o amor como ‘odeio’.” (Caetano Veloso para a Revista Rolling Stone, 2007). 

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