Tigresa (Caetano Veloso)

Uma tigresa de unhas negras
E íris cor de mel
Uma mulher, uma beleza
Que me aconteceu
Esfregando a pele de ouro marrom
Do seu corpo contra o meu
Me falou que o mal é bom e o bem cruel

Enquanto os pelos dessa deusa
Tremem ao vento ateu
Ela me conta sem certeza
Tudo o que viveu
Que gostava de política
Em mil novecentos e sessenta e seis
E hoje dança no Frenetic Dancin' Days

Ela me conta que era atriz
E trabalhou no Hair
Com alguns homens foi feliz
Com outros foi mulher
Que tem muito ódio no coração
Que tem dado muito amor
E espalhado muito prazer e muita dor

Mas ela ao mesmo tempo diz
Que tudo vai mudar
Porque ela vai ser o que quis
Inventando um lugar
onde a gente e a natureza feliz
Vivam sempre em comunhão
E a tigresa possa mais do que o leão

As garras da felina
Me marcaram o coração
Mas as besteiras de menina
Que ela disse não
E eu corri pra o violão num lamento
E a manhã nasceu azul
Como é bom poder tocar um instrumento

© 1977 Ed. Gapa / Warner Chappell - Álbum Bicho - Caetano Veloso. 

Comentário do autor: "“Gente” ainda não estava de todo pronta quando fiz, sem pensar, a melodia do que veio a se chamar “Tigresa”. Algumas pessoas estavam conversando aqui na sala de som da minha casa e eu não estava a fim de prestar atenção na conversa delas. Fiquei tocando violão e assoviando e cantarolando qualquer coisa. Fui dormir sem planos de voltar a pensar nela, uma vez que meu projeto era compor canções doces e suingadas. Mas a música era linda mesmo e resolvi fazer uma letra. Mas não sabia o que dizer com as palavras, uma coisa que ficasse dentro do clima que já era para nós essa melodia. Mas também não quis forçar muito a cabeça. Um dia estava com Moreno vendo um seriado na televisão no qual apareciam uns meninos indianos que andavam com um elefante e encontravam outro menino, que era selvagem e não sabia falar e reagia como um felino. Quando eles tentavam se aproximar do menino selvagem, um grande tigre vinha protegê-lo. O menino tinha sido criado por aquele tigre que, na verdade, era fêmea. O fato é que pensei que tigre fêmea diz-se tigresa, e aí estava a palavra. Dessa palavra parti para inventar uma letra que mantivesse o clima da música. Imaginei logo uma mulher e queria algo assim como uma história. Essa mulher foi se nutrindo de imagens de mulheres que conheço e conheci, e essa história foi se nutrindo das histórias que vivo. Terminou pintando também um pouco de história, uma vez que o interesse que as pessoas da minha classe e da minha geração uma vez demonstraram pelo assunto política aparece datado. Mil pessoas me perguntam quem é a "Tigresa", ou para quem a música foi feita. Pois bem. Depois da mamãe tigresa da televisão, a primeira imagem de mulher que veio à minha cabeça foi a de Zezé Mota, e isso está bem evidente nas unhas e na pele. Mas terminei descobrindo que os olhos cor de mel são da Sônia Braga, embora não deixem de ter um parentesco com os cabelos da menina Maribel. Mas Bethânia e Gal já estavam lá. E Norma Bengell, Clarice, Claudinha, Helena Ignêz, Maria Ester, Silvinha Hippy, Marina, muitas outras meninas que eram bebês em 1966, Suzana e Dedé. Por fim a "Tigresa" sou eu mesmo. É minha primeira canção parecida um pouco com Bob Dylan." (Caetano Veloso para o Jornal do Brasil, 1977).

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