De toda a parte se vê a cidade de Salvador (1997)
Passear pela Bahia é, antes de
tudo, passear pela Baía de Todos os Santos. Entrar numa escuna, numa lancha,
num saveiro (descendente das caravelas) e sair descobrindo ilhas e deltas,
mangues e praias.
A Ponta de Nossa Senhora - na
Ilha dos Frades — apresenta uma visão mágica ao visitante que, de manhã, sobe a
pé até o alto onde fica a igrejinha: a água quieta não define seus limites e os
barcos, lá embaixo, parecem levitar numa transparência azul que apenas se
rarefaz à medida que se aproxima da praia.
Na Ilha de Maré, a areia
branquíssima é tão fina sob os pés que a gente pensa estar pisando em nuvens. E
as mulheres que, em frente às almofadas, lançam e recolhem seus bilros competem
com o mar na criação de rendilhado.
Em Bom Jesus dos Passos - a terra
de Gerônimo - o sorveteiro vem até à ponte de atracação com a catimplora às
costas e oferece o mais gostoso sorvete de coco do mundo. De toda parte se vê a
Cidade do Salvador - a Cidade da Bahia - como se fosse um navio ancorado no fim
do mapa, cidade de sonho, acampamento irreal à beira-mar.
Mas não é preciso sair da cidade
para passear pela baía. De toda parte, em Salvador, se vê a Baía de Todos os
Santos: entra-se num sobrado de Santo Antônio ou do Pelourinho, numa casa da
Lapinha ou da Soledade, num prédio novo da Graça ou da Vitória, e, quando menos
se espera, o mar entra pela janela.
A não ser que você esteja nos
bairros de além-barra – Rio Vermelho, Amaralina, Pituba, Armação, Boca-do-Rio,
Piatã, Itapuã -, onde a cidade se abre ao mar aberto, você sempre está cercando
a baía, cercado por ela. E quando você desce à cidade baixa e vai até Itapagipe
— por Roma, Bonfim e Ribeira -, você se sente nas entranhas da baía, dentro de
suas conchas e ostras.
Andar a pé pelo Porto dos
Tainheiros, pelo Bogari, pela Penha, pela Boa Viagem é saber disso. Mas mesmo
no centro da cidade - no Terreiro, na Praça da Sé, na Praça Castro Alves - o
mar da baía entra pelos olhos, pelos poros, pelos ouvidos: chega em luz, em som,
no vento.
No ponto mais baixo do Pelourinho,
onde a zona central se une à Baixa do Sapateiro, ao entrar no Restaurante Casa
do Benim, o visitante - que agora já sabe que das janelas de fundo desses
sobrados do topo da ladeira a baía é visível – entende que está no âmago de uma
civilização extinta e futura: a grande Civilização do Atlântico Sul, com suas
Europas inesquecíveis e suas Áfricas improváveis, de que a Baía de Todos os
Santos é o centro.
O centro deste centro é a Casa do
Benim, mensagem de arquitetura deixada pelos senhores coloniais e por Lina Bo
Bardi para ser decifrada em combinação com os sabores da culinária imaginária
de Ana Célia.
Caetano Veloso.
Apresentação do livro Addresses
Salvador: o que é que a Bahia tem - 98, de Flora Gil e Ivana Souto, Salvador,
Addresses, 1997.