O que tinha de ser (1976)

Seria preciso que o astral deste país fosse muito baixo para que a vocação tão verdadeira (e já tantas vezes constatada) de Elis continuasse por muito tempo permitindo equívocos: o brilhante não é falso. Eu estava conversando com Gal e a gente falou sobre técnica e sobre talento e sobre como a pessoa começa a cantar desde menino. Agora estou sabendo claramente o que é o grande prazer de ouvir Elis cantar. Todo mundo tem feito os elogios justos a Miriam e a Naum (penso em Roberto Pinho e na cidade de Cachoeira) por terem feito um espetáculo de nível, de beleza, e algumas pessoas vêem Elis como uma boa cantora-atriz dentro de um espetáculo bem concebido e bem realizado, no qual qualquer cantora-atriz boa atingiria o mesmo resultado. Eu penso que, na verdade, é o fato de esse espetáculo ser, no momento, o melhor modo de fazer chegar até a gente a grande arte de Elis que faz dele um trabalho concebido e bem realizado. Não tenho dúvida de que todos os que participaram da transação desse show sabem e são felizes por isso: é Elis, só pode ser Elis, é o canto de Elis.

Jorge Ben disse que eu sou ternura. Eu quero mandar beijos pra a Miriam, pra Naum, pra César, pra o Rogério, pra todos os que entraram na transação, cada músico, cada ator, maquinistas, costureiros, tudo. Mas é com Elis que eu gostaria de falar.

Elis, eu tomei o ônibus pra ir a São Paulo ver seu show. Que bom que seja em São Paulo. Fui porque pensava que esse show seria o que eu sonhava pra você. Mas é mais do que isso porque "viver é melhor que sonhar". E eu gostei muito de ver você cantando a canção que diz isso. Eu gostei muito muito de ver você cantando tudo. Gracias a la vida. Eu fiquei doce e besteirão quando o show terminou. E meditei. Não tenho medo. O show business é um bicho papão muito bonito e você engole ele: essa é a mensagem que você passa pra todos os seus colegas de profissão.

Diga a César que ele está lindo. Na hora em que ele fica sozinho no piano acústico e você vem e canta pra ele, eu pensei no significado da união e ouvi você cantar tão tão lindo e senti a ausência de Dedé que tinha ficado no Rio e me senti apaixonado por tudo e chorei e fiquei querendo abraçar o meu amigo que estava do meu lado e entendi todo o lance de uma pessoa cantando acima dos limites do cotidiano. Você cantou minha música perto de mim, sem saber. Me encontrei com você completamente e isso me enriqueceu. Foi o que tinha de ser. O compositor não precisa lhe dizer mais nada.

Caetano Veloso.

MÚSICA DO PLANETA TERRA, Nº 3, 1976.

Fonte: Livro O Mundo Não É Chato. Caetano Veloso. Organizado por Eucanaã Ferraz. Companhia das Letras, 2005.


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