Recanto (2011)

Gal é uma das mais emblemáticas figuras da música popular brasileira moderna. Foi A cantora tropicalista por excelência: lançou “Baby” e defendeu “Divino, maravilhoso” no festival de 1968. Depois que Gil e eu fomos presos e exilados, ela segurou a estética ousada do grupo baiano (que tinha se associado aos paulistas Mutantes, Duprat, Medaglia etc.) em espetáculos como Fa-Tal, Gal a Todo Vapor. Seu nome batizou o trecho de praia mais badalado da Ipanema dos anos 1970. Ela foi considerada por Danuza Leão a mulher mais elegante do Brasil daquele tempo. Mais tarde, com Gal Tropical, Índia, Cantar e uma sucessão de discos e shows inesquecíveis, ela enriqueceu o imaginário brasileiro. Gal é pessoa colada a mim. Desde que nos encontramos que nosso culto radical a João Gilberto nos aproximou a ponto de quase não precisarmos (nem conseguirmos) conversar nada. Ela é a voz de “Minha voz, minha vida”, a mulher sagrada de “Vaca profana”, o aparelho vocal de “Meu bem, meu mal”. Tom Jobim disse até morrer que ela era sua cantora favorita. E pra mim ela é ainda a menina que conheci porque gostávamos de bossa nova. A grande plasticidade de seu estilo de cantora se deve ao entendimento instintivo do “cool” que ela teve desde o início. É isso que faz com que ela soe bem com Donato, com Lanny, com o Olodum ou com Kassin. Há uns 3 anos que sonho em fazer um grupo de canções só para ela gravar. Vi um show seu em Lisboa um ano e meio atrás e decidi realizar esse sonho. Compus pensando na voz dela e em programações eletrônicas. Tem até faixa 100% acústica neste disco, mas os sons eletrônicos predominam. Senti necessidade de dizer justo essas coisas através dela. Vi que ela e eu podíamos fazer soar um objeto não identificado que tivesse a ver com tudo o que essencialmente somos. Por mim, este disco é dedicado a Maria Bethânia e Gilberto Gil, por razões que deveriam ser óbvias. Moreno, afilhado dela, o fez comigo. Kassin foi o programador mor. Mas também tivemos o Duplexx, o Rabotnik e Zeca Lavigne Veloso. É a vida, dolorosa e prazerosa como ela é. É a música, que tanto Gal quanto eu tangenciamos e adoramos.

Caetano Veloso. 
Texto do encarte do disco "Recanto" de Gal Costa, lançado em dezembro de 2011. 

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